Dudamel e a Orquestra Simón Bolívar a caminho da maturidade

10 set 2016

Foi com uma empolgante interpretação da sinfonia Turangalîla, de Olivier Messiaen, que a Orquestra Sinfónica Simón Bolívar da Venezuela, dirigida por Gustavo Dudamel, encerrou a Residência El Sistema na Fundação Gulbenkian. Um programa com música de câmara de Ginastera, Chostakovich e Brahms pelo Quarteto Simón Bolívar e outro concerto da orquestra em colaboração com o Coro Gulbenkian precederam esta apoteose em torno da monumental partitura de Messiaen. Símbolo máximo de El Sistema, projecto criado na Venezuela pelo maestro José António Abreu com o objectivo de reabilitar através da mú- sica jovens de meios sociais desfavorecidos e posteriormente inspirador de uma vasta rede de orquestras infantis e juvenis em vários pontos do mundo, a Orquestra Sinfónica Simón Bolívar deixou recentemente de se chamar Orquestra Juvenil. Passado o furor mediático inicial, associado a uma imagem histriónica do maestro e dos seus jovens instrumentistas, e Dudamel e a Orquestra Simón Bolívar a caminho da maturidade abandonada a dimensão propagandística patente no ritual fi nal dos concertos em que eram atirados para o público blusões e bonés com a bandeira venezuelana, o agrupamento é hoje mais uma orquestra sinfónica de alto nível. Tanto o carismático Dudamel como os membros da orquestra mostram agora uma atitude muito mais contida, sem deixarem por isso de transmitir uma forte carga emocional ao ouvinte. Todavia, ao lado de peças exuberantes de grande efeito, emblemáticas dos ritmos e da cultura da América Latina que emergiam de boa parte das suas primeiras exibições, a Orquestra Simón Bolívar cultivou sempre o repertório sinfónico canónico, arriscando desde cedo a interpretação de partituras tão exigentes como A Sagração da Primavera, de Stravinsky. Esse caminho tem sido prosseguido com crescente consistência, a par da fulgurante carreira do próprio Dudamel à frente das mais prestigiadas orquestras mundiais. A interpreta- ção da Turangalîla de Messiaen foi um testemunho notável desse caminho para a maturidade. Obra de enorme extensão e complexidade estrutural, a Sinfonia Turangalîla assimila técnicas e estéticas não ocidentais, e requer uma orquestra de dimensões colossais, com uma secção de percussão muito ampliada, um piano solista com Crítica de música Orquestra Sinfónica Simón Bolívar Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian — Grande Auditório. 8 de Setembro às 21h. Sala cheia Cristina Fernandes mmmmm intervenções de grande virtuosismo (superadas com brio e desenvoltura por Jean-Yves Thibaudet) e um importante papel do Ondas Martenot, um dos primeiros instrumentos electrónicos da história, tocado por Cynthia Millar, uma das suas mais reconhecidas especialistas. Inventado em 1928 por Maurice Martenot, oferece múltiplas possibilidades de ataques, timbres, cambiantes, vibratos, ecos, glissandos ou dinâmicas, conferindo uma dimensão humana à execução, que contrasta com o distanciamento mais abstracto inerente aos desenvolvimentos tecnológicos posteriores e que apenas a electrónica ao vivo viria mais tarde a recuperar. Os seus característicos sons eté- reos são uma marca do fascinante mundo sonoro da Turangalîla . O universo de imaginativas sonoridades e acentuados contrastes foi transmitido por Dudamel e pelos seus músicos com acuidade técnica e equilibrada gestão das dinâmicas e das intrincadas texturas sonoras: da dimensão etérea do sexto andamento ao impetuoso Développement de l’Amour, passando pela fortíssima propulsão rítmica da dança africana de Joie du Sang des Étoiles, um clímax avassalador de forte poder emocional. A longuíssima e entusiástica ovação do público no fi nal fez regressar o maestro e os solistas várias vezes ao palco.

 

Cristina Fernandes

Público – 10 setembro 2016

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