Desafiar e arriscar: está aí o Jazz em Agosto

04 ago 2016

Os The Young Philadelphians de Marc Ribot dão arranque esta noite à 33.ª edição do festival.
Pela Gulbenkian passarão até dia 14 Paal Nilssen-Love, Tim Berne, Eve Risser e Evan Parker.

A 33.ª edição começa esta noite. Mais um Jazz em Agosto na Gulbenkian, em Lisboa, com os concertos no magnífico cenário do anfiteatro ao ar livre e na sala polivalente. Duas semanas de música que se pretende iluminadora e exigente.
Veremos nomes que regressam, como Marc Ribot, que inaugurará o festival às 21h30 com os seus Young Philadelphians, e projectos que se estreiam neste cenário, como a White Desert Orchestra da pianista Eve Risser.

O equilíbrio e o diálogo entre os dois lados do Atlântico, entre o jazz que fervilha na América do Norte e o que frutifica em território europeu.
Isto é o Jazz em Agosto e é assim há muito. Mas esta familiaridade nasce de uma característica essencial: conhecendo-o, sabemos que seremos surpreendidos, desafiados.

Assim será, perspectiva-se, na edição que coincide com os 60 anos da Fundação Calouste Gulbenkian. Até dia 14, assistiremos a 14 concertos.

Teremos cinema na Sala Polivalente: Off the Road e Chicago Improvisations, de Laurence Petit-Jouvet, ambos dedicados ao contrabaixista alemão Peter Kowald, falecido em 2002, e Electric Ascension Live at Guelph Jazz Festival 2012, de John Rogers, registo de um concerto em que o Rova Saxophone Quartet recria Ascension, o histórico álbum de 1966 de John Coltrane.

Teremos igualmente reflexão, com o saxofonista Evan Parker e o escritor e músico David Toop em conversa sobre as músicas tradicionais que se vão apagando do planeta e a música improvisada nascida nos anos 1960.

Teremos ainda obra escrita, com a apresentação de The Sound of North — Norway and the European Jazz Scene, do italiano Luca Vitali, primeiro livro dedicado a contar de forma exaustiva a história do jazz escandinavo. A apresentação acontece dia 13 e antecede o concerto a solo de um dos músicos, Paal Nilssen-Love, que faz o presente da história que o livro evoca. O baterista, um dos mais activos e virtuosos no panorama actual é, de resto, um dos destaques do festival.

Para além da referida actuação a solo, terá honras de encerramento, dia 14, com um concerto dos seus Large Unit. Formados em 2013, reúnem-se à volta do baterista ligado a Peter Brötzmann ou Ken Vandermark 13 músicos que, como referiu na apresentação do festival o director artístico Rui Neves, representam “alguns dos mais promissores talentos do jazz escandinavo”. Mas voltemos ao início.

Marc Ribot dispensa apresentações. O guitarrista que regressa ao festival depois da celebrada passagem em 2014, o músico que ao longo dos anos nos habituámos a ver ao lado de aventureiros como John Zorn ou Tom Waits, mas de quem há muito seguimos o caminho trilhado de forma independente, protagonizará dois concertos. No primeiro, o da abertura, apresentar-se-á com os Young Philadelphians, quarteto que se dedica a cruzar o caminho entre a vertigem eléctrica de Ornette Coleman nos seus Prime Time e o groove e a opulência orquestral da Philly Soul da década de 1970 — não por acaso, o grupo será acompanhado pelo Lisbon String Trio reunido para a ocasião. Amanhã, será também Ribot o primeiro a subir a palco, desta vez a solo — ou quase: acompanhará as imagens de Shadows Choose Their Horrors, de Jennifer Reeves, filme trabalhado a partir das memórias do cinema de terror do início do século XX.

A ligação estreita entre música e cinema surgirá também através dos Petite Moutarde. O grupo liderado pelo violinista e violista Théo Ceccaldi (eleito músico revelação francês pela Jazz Magazine em 2014) eliminará distâncias temporais terça-feira, quando se fizer ouvir sobre excertos de filmes de Man Ray, René Clair e Marcel Duchamp.

Quanto à presença portuguesa, destaque, dia 10, para a estreia do Tuba And Drums Double Duo — Sérgio Carolino e Oren Marshall na tuba, Alexandre Frazão e Mário Costa na bateria —, e atenção, dia 8, para o encontro luso-italiano protagonizado pelos Tetterapadequ, quarteto que reúne o baterista João Lobo, o contrabaixista Gonçalo Almeida, o pianista Giovanni di Domenico e o saxofonista Daniele Martini.

Na véspera do fim, a 13, o saxofonista francês Thomas de Pourquery lidera os Supersonic numa homenagem idiossincrática ao legado de Sun Ra. No domingo, descobriremos a White Desert Orchestra, veículo para os talentos enquanto compositora de Eve Risser. Um dia antes, Peter Evans, Tim Dahl e Mike Pride, os Pulverize The Sound, mostram a música sem rédeas que vêm criando de madrugada num estúdio de Brooklyn. Reencontraremos Tim Dahl dia 11, no trio liderado por Ava Mendoza, cujo jazz contaminado pelo fundador blues e pela crueza punk levou John Zorn a incluí-la no catálogo da Tzadik.

Outro tipo de cruzamento propõem os Z-Country Paradise do alemão Frank Gratkowski. Na New York City Jazz Record, classificaram o novo projecto do saxofonista como “cabaré punk” — energia desabrida motivada pela poesia de Rimbaud, entre outros, cantada pela sérvia Jelena Kuljic. Os Z-Country Paradise actuam dia 12, e Gratowski apresenta-se novamente a solo, no dia de encerramento do festival.

Já amanhã chegam os Snakeoil do saxofonista Tim Berne, líder de um quinteto formado para explorar o que nasce quando se escolhe ignorar que existem regras. O Jazz em Agosto tem-nas, mas é animado por um espírito semelhante: defender o risco e o desafio, revelar a história que se renova no presente.

Mário Lopes

Público – 04 Agosto 2016

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