Berne: músico e fotógrafo ECM

30 jul 2016

Um dos mais longevos grupos do nova-iorquino Tim Berne, os Snakeoil, tornou-se um emblema da editora alemã ECM. Esta semana tocam no Jazz em Agosto.
Tim Berne tem 61 anos e vive em Brooklyn. O East River separa-o da Downtown, onde foi nos anos 80 um dos punks que mais assustou a ortodoxia do jazz, e o oceano Atlântico separa-o de Munique, a cidade da ECM onde tem editado desde 2012 uma aclamada série de discos com a banda Snakeoil, a mesma com que toca sexta-feira no Jazz em Agosto.
Nos anos 70 estudou saxofone com Julius Hemphill e tornou-se (tal como Marty Ehrlich) um dos seus mais aguerridos discípulos. Gravou com Zorn a música de Morricone (“The Big Gundown”) e de Ornette (“Spy Vs. Spy”), fundou a sua primeira editora, Empire, em 79, e a segunda, Screwgun, em 96. Em 87 teve uma famosa aventura de dois discos na Columbia, mas a sua obra está também espalhada pela Soul Note, JMT, Winter & Winter, Thirsty Ear ou Clean Feed. Tocou e gravou muito com Herb Robertson, Drew Gress, Michael Formanek, Tom Rainey, Craig Taborn, Marc Ducret e Hank Roberts, por exemplo.
Esta é a sua terceira passagem pelo festival de jazz da Gulbenkian, após concertos com Caos Totale em 1991 e Buffalo Collision em 2009. Com Oscar Noriega (clarinete), Ches Smith (bateria e vibrafone) e Matt Mitchell (piano) formou os Los Totopos há oito anos. O grupo iria ser rebatizado Snakeoil a partir do título do primeiro álbum que gravaria para a ECM (em Nova Iorque, em janeiro de 2011, com produção de Manfred Eicher, e edição um ano depois). Seguir-se-iam “Shadow Man” (gravado e editado em 2013) e, com um quinto elemento, o guitarrista Ryan Ferreira, “You ve Been Watching Me” (registado no fim de 2014 e editado no início de 2015), ambos gravados também em Nova Iorque, mas produzidos por David Torn, o guitarrista com quem Berne colabora desde os anos 90 (e que lhe tem produzido discos desde 2001). “É difícil para o Manfred estar a viajar constantemente para os EUA para fazer produção”, justifica o saxofonista numa conversa telefónica.

 

Dos 26 lançamentos da ECM em 2016, 22 foram produzidos por Manfred Eicher. Imagino que gravar para a ECM com um produtor próprio não seja fácil. Eicher tem ficado satisfeito com o trabalho de David Torn?
Sim, claro, caso contrário não editava os discos. Não ando a fazer discos às escondidas, ele acompanha todo o trabalho. Quando fizeram um festival ECM em Munique [no âmbito da exposição “ECM A Cultural Archaeology”, 2012/2013] fomos um dos grupos convidados para tocar no museu. Por isso acho que somos importantes para ele.

 

Como é que nasceu o grupo Snakeoil?
A primeira pessoa com quem falei foi o Matt Mitchell. Nessa altura, há oito anos, dávamos aulas juntos em Nova Iorque e fomos ensaiar para um concerto na Universidade.
Gostei muito de tocar com ele e perguntei-lhe se queria fazer parte de um novo grupo que eu estava a formar. Conheci o Ches por via da Mary Halvorson. O Oscar, conheço-o há muito tempo, mas não fazia ideia que ele se dedicava tanto ao clarinete. Descobri-o e como queria usar clarinete na banda… Gosto desta instrumentação. Queria algo que pudesse ter um som cheio, grande, mas também transparente, delicado.

 

E o que levou à introdução da guitarra?
A vontade de tentar algo diferente. Conheci o Ryan há um par de anos e gostei de tocar com ele. Do ponto de vista orquestral, preenche a música de uma forma diferente e que me agrada. Sempre me interessei por guitarristas e por sons elétricos como os de Torn, de Ducret e de [Bill] Frisell.

 

Após oito anos de Snakeoil, como vê o futuro da banda?
Espero que continue muito tempo. No próximo ano vamos tocar em quarteto. É caro fazer o quinteto.

 

Entretanto, editou na Screwgun um disco ao vivo dos Snakeoil em quarteto integrado no livro “Spare” (fotos de Tim e design de Steve Byram).
Foi gravado numa digressão americana em 2014, creio. Queríamos um áudio para acompanhar o livro e escolhemos essa gravação.

 

Costumam gravar os concertos?
Sim, gravámos toda a última digressão, a partir de maio. Espero um dia poder editar uma caixa com algumas dessas gravações. A mesma pessoa gravou todas as noites e com muito boa qualidade.

 

A ECM não se importa que você edite Snakeoil?
Eu informei-os. Falei sobre isso com o Manfred e ele não se importou.
Neste caso, é mais a edição de um livro do que a edição de um disco. E só fiz 500 exemplares.

 

As capas das suas edições na ECM e este livro têm em comum a sua revelação como fotógrafo.
Comecei a fotografar há cerca de 10 anos, durante as digressões. Tenho várias câmaras e ando com elas para todo o lado. Gosto de fotografar. Quando fiz o primeiro disco para a ECM decidi enviar algumas fotos ao Manfred e ele gostou. Tanto que quis usar uma na capa. A partir daí sempre que fazemos um álbum ele pede-me fotos. Ter fotografias em capas da ECM é quase tão excitante como ter música em discos da ECM. É incrível. O Steve Byram também me tem apoiado muito. Trabalhámos cerca de um ano neste livro e estou muito satisfeito com o resultado.

 

O próximo passo é fazer uma exposição.
Na verdade tenho a minha primeira exposição já programada. Será em abril, na Polónia. Inclui o Steve Byram e um concerto dos Snakeoil.

 

Concorda que os Snakeoil são um ponto alto da sua carreira e também acha que a última gravação é sempre a melhor?
Estou muito satisfeito com “You ve Been Watching Me”, mas acho que o próximo é o melhor dos quatro. É suposto ser assim, é suposto que progridas de disco para disco. Estou muito contente por ter tido condições para fazer trabalho com esta qualidade. Passei muito tempo a trabalhar na música e a banda é superdedicada, o que facilita tudo.

 

Quando é que sairá o novo álbum?
O que está planeado é agosto ou setembro de 2017. Vamos fazer uma digressão nessa altura. Entretanto, na próxima semana, o Matt Mitchell vai gravar um disco com música minha para piano solo. Andamos a falar nisso há bastante tempo e finalmente arranjei uma data livre. Escolhemos juntos o material a partir dos últimos 10 ou 15 anos da minha música, pelo que abarca períodos muito diferentes desde Snakeoil a Hardcell ou Science Friction. Eu costumo compor ao piano.

 

Vai sair na ECM?
Acho que vai interessar ao Manfred, mas primeiro temos que o gravar. David Torn vai produzi-lo.

 

Costuma gravar mais do que edita?
Não, não gravo nada a mais.
Normalmente tenho tudo planificado e sei muito especificamente o que quero ter no disco.

 

Gosta de rodar bastante a música ao vivo antes de a gravar?
Geralmente sim. Esta banda dá muitos concertos, pelo que é possível fazê-lo, mas já aconteceu estarmos em estúdio e eu atirar algo novo lá para o meio para ver o que acontece.

 

Como equilibra o forte lado composicional com a improvisação na sua música?
Depende dos grupos. Aos Snakeoil dou muita liberdade porque eles estão muito familiarizados com a minha linguagem. Quando tens uma banda deves dar-lhe dar muita folga, muita corda, para os manteres interessados e também para me manter a mim próprio interessado.
Surpreendo-me tanto quanto eles com os resultados. Não quero que a música seja a mesma todas as noites. Gosto de ter um elemento de surpresa.

 

No site da Screwgun tem à venda mp3 e partituras. Não aderiu à moda do vinil?
É muito caro e não se vende assim grande coisa. Toda a gente acha que o vinil vende muito, mas eu acho que não. Para venderes a sério tens que o levar para as digressões, só que é muito pesado. Se tivesse alguém a trabalhar para mim talvez fosse boa ideia, mas tenho que tratar sozinho dos envios pelo correio, que é trabalho duro.

 

Graças à Empire, primeiro, e depois à Screwgun, foi apontado durante muitos anos como um caso exemplar de um músico que se autoedita e um dos mais acérrimos defensores das editoras geridas por músicos, mas nos últimos anos quase parou as edições próprias. O que mudou?
Já não tenho distribuidores e é muito difícil vender discos fora dos concertos. Hoje em dia é demasiado fácil conseguir-se a música à borla. Só com uma embalagem especial é que é possível vender discos físicos. Por isso é que fiz este livro/disco. Queria fazer algo único, algo que não conseguisses ter através de downloads. No futuro, o que fizer terá de ser espetacular para que as pessoas sejam levadas a comprar. Mesmo no mau estado atual do negócio continuo a precisar de fazer discos e duvido que um dia pare. Contudo, tenho a sorte de ter amigos como David Torn ou Steve Byram, e de poder trabalhar com a ECM, o que torna tudo mais fácil.

 

Rui Tentúgal

Expresso – revista E – 30 Julho 2016

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