Beethoven, Rzewski

10 dez 2016

Imparável ao longo de duas intensas horas de piano, Igor Levit associou partituras de Beethoven e de Rzewski. Na primeira parte, explorou de forma assombrosa as “Variações Diabelli” com a sala rendida ao turbilhão sonoro, virtuosismo, requinte e energia juvenil do pianista, a atuar em Lisboa pela primeira vez. Um liberal de esquerda que vive há décadas na Europa, Frederic Rzewski nasceu em 1938 no Massachusetts. Este aluno de Dallapiccola, que se insurge contra o sistema carcerário e contra decisões dos governantes do seu país, foi apresentado no “New York Times” de maio como um dos maiores e mais ignorados compositores dos EUA.

A interpretação de Levit das 36 variações da peça intitulada “The People United Will Never Be Defeated!” provocou o delírio da assistência. Com tema inspirado no hino revolucionário do músico chileno Sergio Ortega, a composição de Rzewski foi estreada há 40 anos em Washington D.C. e é como se ela representasse na música aquilo que os escritos de Noam Chomsky simbolizam na política. Em Lisboa, é plausível que o protesto contido no título da obra tenha apanhado de surpresa uma parte do auditório que se rebela contra inovações, levando a que muitos espectadores tenham abandonado o recinto no intervalo, não ficando para a segunda parte do recital de Levit.

O ouvido humano surpreende-se desagradavelmente com modificações em linhas e em contornos convencionais das peças. Na sua beleza e novidade, as variações de Rzewski têm algo de eterno e de transitório, remetendo para formas mais ‘clássicas’ da música (o compositor quis escrever uma partitura que combinasse com as “Variações Diabelli” de Beethoven) e, circunstancialmente, recriando uma contestação política. Baudelaire escreveu nos “Paraísos Artificiais” que um músico se serve de taças de champanhe, de vinho de Jurançon, do Reno e da Borgonha para escrever, respetivamente, ópera cómica, música religiosa e música heroica. Talvez esta elegíaca partitura de Rzewski tenha exigido o melhor ‘zinfandel’ da Califórnia!

 

Ana Rocha

Expresso Revista E – 10 dezembro 2016

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