Beaumarchais
O título é enganador. Não se trata de uma peça sobre o dramaturgo francês, como é legítimo supor, mas de uma ópera sobre umas peças que ele escreveu, entre 1775 e 1792, e se tornaram muito famosas, até, ou principalmente, como óperas. Quer dizer, também não é bem uma ópera; nem sequer a gravação de uma ópera, como a encenação e o cenário e a acção querem fazer crer. A bem dizer é mais uma extravagância – ou uma experiência que podia ter corrido melhor. Uma peça sobre Pierre Beaumarchais, um dramaturgo que foi também, pelo menos ocasionalmente, músico, diplomata, relojoeiro e inventor, horticultor, espião, financeiro, revolucionário e ainda traficante de armas, era bem achado. Mas não foi isto que Jorge Andrade (n.1973) fez. Antes se agarrou à trilogia de Figaro (O Barbeiro de Sevilha, As Bodas de Flgaro, A Mãe Culpada), desmontou, baralhou, e voltou a dar os textos misturados com libreto e música de Pedro Amaral (n.1972), para, sob o pretexto de uma gravação, juntar Orquestra Gulbenkian e dois elencos de cantores com os actores da Mala Voadora (ele próprio, Anabela Almeida, Bruno Huca, Isabél Zuaa, Marco Paiva e Tânia Alves), criando um espectáculo vivo, embora confuso, em que os técnicos representam o proletariado e os cantores a burguesia, todos envolvidos numa variante de luta de classes satírica e inconsequente e bem-disposta demais para ser levada a sério. A ideia por detrás de Beaumarchais é matéria para uma produção eventualmente estimulante. Contudo, a abordagem de Andrade perde-se na sua ousadia e espírito de aventura. ao ponto de. pelo menos na noite de estreia, alturas do enredo haver em que os actores parecem tão perdidos como os espectadores, enleados nas malhas de um texto onde sobressai mais o efeito e o enfeite, sem dúvida agradáveis, dogue a pretendida e anunciada e desejada substância artística e politica.
Rui Monteiro
Time Out – 28 de junho 2017