Bach: Johannes-Passion

Coro e Orquestra Gulbenkian, direção Michel Corboz
02 abr 2016

Aproxima-se a Páscoa e, tão certo como os impostos, a Gulbenkian-Música proporciona-nos uma “Paixão”, desta vez a de São João (1724). É a mais simples e radical das Paixões de J. S. Bach.

Será menos imponente do que a de São Mateus, mas é certamente mais poética e colorida. A turbulenta e quase dissonante introdução orquestral mergulha-nos logo no drama. Segue-se a história da paixão de Cristo, recitada pelo Evangelista (a secco, acompanhado pelo contínuo do órgão), com a participação de figuras como Pedro e Pilatos e as reflexões e comentários da turba (Coro) intervaladas pelos madrigais das árias e ariosos dos solistas (soprano, contralto, tenor e baixo). No seu magnum opus sobre Bach, “Music in the Castle of Heaven”, John Eliot Gardiner aproxima esta Paixão da tactilidade corporal da pintura de Rubens, toda ela ação e reação, enquanto a “Paixão segundo São Mateus” será mais consonante com a interioridade espiritual de Rembrandt.

Gostei da direção variada de Michel Corboz, mais viva do que o habitual, e do desempenho do Coro, especialmente das suas ousadas intervenções na II parte. Aqui a imaginação de Bach atinge o milagroso. Rudolf Rosen foi um Cristo exemplar, na beleza e autoridade vocal.

Apesar de alguns percalços na cena do Gólgota, Topi Lehtipuu provou ser estilisticamente um Evangelista competente. De resto, houve um tenor de voz feia, uma soprano aflita na primeira ária, uma mezzo (substituta) pouco à vontade e intervenções baças de um barítono.

Um sujeito na última fila da plateia resolveu consultar demoradamente as SMS durante a morte de Cristo, mas felizmente lá o consegui convencer a desligar o aparelho a tempo do penúltimo coro, o sublime e mesmérico ‘Ruht wohl’. Eis o consolo certo no dia dos trágicos acontecimentos de Bruxelas.

Permito-me, porém, sugerir que, se não há dinheiro para contratar cantores à altura de Bach, existem outras obras redentoras (de Olivier Messiaen, Arvo Pärt, John Adams, James MacMillan, etc.) também próprias para a quadra pascal.

 

Jorge Calado

Expresso, 02 Abril 2016

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