Xenakis e a Fundação Gulbenkian
Por Benoît Gibson
Desde a sua criação, em 1957, a Fundação Calouste Gulbenkian tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento e divulgação da música contemporânea. O seu catálogo de encomendas de novas composições musicais entre 1963 e 2007 revela 262 encomendas feitas a 127 compositores.1 Relativamente às mesmas, e se excluirmos os compositores portugueses, Xenakis é aquele que recebeu mais comissões (11, no total), o que torna a Fundação Gulbenkian na instituição que contribuiu financeiramente para o maior número das suas obras.
Tudo começou em 1967, quando Claude Samuel pediu à Fundação que subvencionasse algumas encomendas de obras musicais a apresentar na edição seguinte do Festival Internacional de Arte Contemporânea de Royan. Na lista que propunha, constava uma obra de Xenakis para 12 vozes a cappella. Esta seria a primeira escolha da diretora do Serviço de Música da Fundação, Maria Madalena de Azeredo Perdigão, que reconheceu imediatamente a reputação internacional do compositor.2 A obra, intitulada Nuits (1967-1968), teve um enorme sucesso quando foi apresentada.
Em Madalena Perdigão, Xenakis encontrou um forte apoio no seio da Fundação.3 Com efeito, a diretora do Serviço de Música esteve na origem de várias iniciativas relacionadas com o compositor. Foi por sua proposta que a Fundação concedeu um subsídio à Équipe de Mathématique et d’Automatique Musicales (EMAMu) que permitiu a Xenakis adquirir um leitor de fita magnética e criar a música para o prelúdio do Polytope de Cluny (1972)4 (ver I. Xenakis, 1971c, p. 41). A seguir, pode referir-se ainda a encomenda de uma obra para coro e orquestra e a organização de dois festivais. O primeiro, que teve lugar em junho de 1973, incluiu, entre outros, dois concertos, uma exposição e uma palestra de Xenakis; o segundo, realizado no ano seguinte, foi o de maior envergadura e incluiu a estreia mundial de Cendrées (1974) para coro e orquestra.5
Em setembro de 1974, Madalena Perdigão abandonava o seu cargo. Apesar disso, a Fundação continuaria a apoiar Xenakis. Nos anos que se seguiram, vários organismos culturais abordaram a Fundação para que financiasse, no todo ou em parte, encomendas de obras do compositor. Foi, assim, com o apoio da Fundação que Xenakis compôs as seguintes obras: Phlegra (1975) para a London Sinfonietta; Psappha (1975) para o English Bach Festival; À Colone (1977) para os Rencontres Internationales de Musique Contemporaine de Metz; Ata (1987)6 para a Orquestra Sinfónica da SWF de Baden-Baden; Dox-Orkh (1991) para o Festival de Música de Estrasburgo; e Dämmerschein (1993-1994) para a Orquestra Sinfónica da WDR de Colónia.7 É também de notar que o programa do 5.º Encontro Internacional de Arte Contemporânea em La Rochelle, no ano de 1977, menciona a Fundação Gulbenkian como patrocinadora da obra Kottos (1977), composta para a segunda prova eliminatória do concurso Rostropovich (concurso internacional de violoncelo em música contemporânea). Além disso, embora não se trate de uma encomenda, poder-se-ia acrescentar a esta lista o apoio dado ao Centre Acanthes, fundado por Claude Samuel e dedicado à pedagogia ativa da música contemporânea. Xenakis foi convidado duas vezes a participar, em 1978 e 1985. Em cada uma destas ocasiões, a Fundação ofereceu bolsas de estudo a participantes selecionados para frequentarem cursos sobre as suas obras.
Entretanto, em Portugal, Luís Pereira Leal, que sucedera a Madalena Perdigão, mantinha as mesmas orientações. Foi por sua iniciativa que foram criados os Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea.8 Estes encontros, que tiveram lugar entre 1977 e 2002, ofereceram ao público interpretações de quase 47 obras diferentes de Xenakis em concerto, incluindo duas estreias mundiais – Tetras (1983) para quarteto de cordas e Dämmerschein (1994)9 –, culminando, no ano 2000, na sua 24.ª edição organizada em torno do tema «música e matemática», com cinco concertos que reuniram nada menos que 22 obras, para instrumento solo, música de câmara ou orquestra, a maioria dos quais em estreia em Portugal.10 Uma verdadeira homenagem a Xenakis, alguns meses antes da sua morte.
Em 2009, Risto Nieminen substituiu Luís Pereira Leal como diretor do Serviço de Música, ocupando o cargo até hoje. De certa forma, ao associar-se à Philharmonie de Paris no acolhimento da exposição Révolutions Xenakis, a Fundação Gulbenkian reafirma o compromisso de longa data para com um dos compositores mais originais do século XX.
1 Vide Catálogo de obras encomendadas a compositores pelo Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, 1963-2007, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
2 Recomendação feita ao Conselho de Administração da Fundação e datada de 17 de janeiro de 1968 (Arquivos Gulbenkian).
3 Talvez não seja insignificante mencionar que Madalena Perdigão se licenciou em matemática antes de se dedicar à música.
4 Numa carta a Madalena Perdigão, datada de 22 de janeiro de 1974, Xenakis escreve: «O conversor do CEMAMu funcionou muito bem, uma vez que a música do prelúdio de Polytope II é inteiramente produzida por ele» (Arquivos Gulbenkian).
5 Xenakis dedica Cendrées a Madalena e José de Azeredo Perdigão.
6 Ata é dedicada a Joseph Häusler e Luís Pereira Leal.
7 O catálogo de encomendas de obras musicais da Fundação também faz referência à obra eletroacústica Gendy3 (1991). Vide Catálogo de obras encomendadas a compositores pelo Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, 1963-2007, op. cit.
8 Vide António Pinto Ribeiro, «O Serviço de Música: Glória, Poder e Interrogações», in Fundação Calouste Gulbenkian: cinquenta anos, 1956-2006, editado por António Barreto, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, vol. 1, p. 295.
9 Dämmerschein é dedicada a Joseph Häusler e Luís Pereira Leal. Vide Catálogo dos 26os Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
10 Vide Catálogo dos 24os Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.