Mahler: Sinfonia n.º 1
Orquestra Gulbenkian / Giancarlo Guerrero
Nascido no seio de uma família judaica de língua e cultura alemã, no sul da Morávia (atual Chéquia), Gustav Mahler fez os seus estudos musicais no Conservatório de Viena, onde conviveu, por exemplo, com Anton Bruckner (36 anos mais velho) e foi colega de, entre outros, Hugo Wolf e Hans Rott. Após as primeiras experiências na composição, com Lieder, música de câmara (um interessante Quarteto com Piano) e a cantata Das klagende Lied, Mahler encetou o género que mais o atraía – a sinfonia – numa altura em que Brahms estreara muito recentemente a sua Quarta (Outubro de 1885; seria a sua última sinfonia), e Bruckner a sua Sétima, no final de 1884 (e terminaria a versão original da Oitava em julho de 1887). Isto, se nos cingirmos a Viena. Na vizinha Alemanha, afirmava-se então um jovem Richard Strauss (quatro anos mais novo que Mahler). Se à época ambos singravam já como maestros (os dois conheceram-se, aliás, em Leipzig, no outono de 1887, quando Mahler ali exercia funções de diretor da Ópera), Strauss estava já na dianteira enquanto compositor, tendo estreado Da Itália em março desse ano, em Munique, a que se seguiriam, no espaço de um ano (novembro de 1889 a outubro de 1890), as estreias de Don Juan, Morte e Transfiguração, Burleske para piano e orquestra e Macbeth, que o confirmaram como o novo grande valor da música orquestral alemã. A tudo isto deveremos ainda acrescentar o ambiente cultural da época, impregnado do wagnerismo (Wagner falecera em 1883), a par do eco que tinham já então as ideias e as obras de Nietzsche (e de Schopenhauer), figuras que influenciaram, seja Strauss, seja Mahler.
A nosso ver, é desadequado tentar encaixar a Sinfonia n.º 1 em moldes tradicionais, ligados ao emprego da forma-sonata como esqueleto formal, designadamente para os andamentos extremos. Na verdade, ela acusa conscientemente as suas premissas enquanto poema sinfónico e isso espelha-se em todos os andamentos, exceto no Scherzo (o 2.º). Afigura-se-nos, por isso, mais consequente ler os processos sinfónicos de Mahler como obedecendo a narrativas afins da música programática, mesmo que eles incluam elementos tradicionais.
Assim, o 1.º andamento apresenta como primeiro material misteriosos “sons da Natureza”, como o faria um poema sinfónico: é a Natureza capturada desde o momento da alba que aqui se evoca. A este material será justaposta uma citação direta do 2.º Lied da coleção Lieder eines fahrenden Gesellen, na qual se fala justamente da beleza e do contentamento de sair para o campo pela manhã. Temos portanto dois elementos díspares, mas unidos sob o signo da Natureza como locus amoenus [lugar ameno]. Na segunda parte do andamento, eles serão progressivamente combinados, até se verem fundidos, celebrando o sol radioso que faz a sua aparição, não sem que certos motivos/intervalos anunciem o tema do Scherzo e o do Finale.
O Scherzo (forma ABA, com regresso abreviado de A) usa como base única declinações, mais vigorosas (em A) ou mais delicadas (em B), do Ländler austríaco, dança campesina ternária que chegaria (transformada) aos salões vienenses sob o nome de valsa. Apresenta parecenças inegáveis com o Scherzo da Sinfonia em Mi maior (1878-80) de Hans Rott, antigo colega de Mahler no Conservatório de Viena. Rott sucumbiu à demência e faleceu de tuberculose em junho de 1884, aos 25 anos, tendo Mahler assistido ao funeral. Datando os primeiros esboços da Sinfonia desse mesmo ano, quem sabe se não foi uma homenagem ao seu colega? Tal como no 1.º andamento fora prefigurado o tema do Scherzo, aqui dá-se a simétrica: o regresso dos “sons da Natureza” no Trio.
O 3.º andamento é, sem dúvida, o maior “achado” desta obra. Mahler pega na melodia popular do Frère Jacques (o que já de si é inusitado no “sacrossanto” género da sinfonia germânica), passa-a para o modo menor (no Ré menor dos Requiem…) e confere ao todo um caráter bizarro e grotesco por via da orquestração que escolhe para esse cânone, tratado como se fosse uma marcha fúnebre. A título de exemplo, a entrada sucessiva das vozes instrumentais faz-se assim: timbales (com a “batida”), contrabaixo com surdina com o tema, depois fagote, violoncelo com surdina, tuba-baixo, clarinete (nos graves) e violas. A modernidade estava realmente a chegar!
Uma segunda secção apresenta uma não menor ousadia: a importação, como paródia, de música típica das bandas itinerantes de músicos judeus que andavam pelas terras de província do Império Austríaco. Conferindo contraste, nova citação das Gesellen-Lieder, agora da última secção da quarta canção, na qual (sob o mesmo ritmo fúnebre) o Eu poético faz do repouso à sombra de uma tília uma alegoria da sua sepultura… e da sua paz.
O Finale é um mundo em si próprio e surge como algo de descomunal no contexto da música que o precede. Configura-se como um vasto poema sinfónico e apresenta o típico (em Mahler) contraste cavado de materiais: uma secção inicial tempestuosa e revoltada (que recorrerá evolutivamente ao longo do andamento) e um tema muito lírico, em tempo lento, que prefigura os Adagio das Sinfonias 3 e 4. O andamento como um todo efetua um percurso per aspera ad astra [por (caminhos) ásperos até aos astros], como na 5.ª Sinfonia, com o tema luminoso e grandioso vindo a brotar dos interstícios em “devir” da segunda parte do material “tempestuoso”: gera-se um conflito com um motivo de três notas (no modo menor), que simboliza a morte, até que, à terceira enunciação, o tema heroico é enfim triunfal e conduz a Sinfonia ao seu termo.
A Sinfonia n.º 1 teve uma gestação e “primeira infância” muito atribuladas, já que só passados oito anos ela adquiriu a sua forma definitiva atual, que se veria confirmada com a 1.ª edição da obra, em fevereiro de 1899. Foi escrita como poema sinfónico entre o final de 1887 e março de 1888, quando Mahler estava na Ópera de Leipzig, essa versão estreando em novembro de 1889, quando Mahler já era diretor da Ópera de Budapeste. Uma versão revista estrearia em outubro de 1893, em Hamburgo (com Mahler diretor da Ópera Municipal). Nova revisão, mas apenas na instrumentação, foi ouvida pela primeira vez em junho de 1894, em Weimar. Só com a última revisão, mais extensa (1893-96), a obra se transformou numa sinfonia em quatro andamentos (“caiu” a breve Blumine, que era o 2.º andamento) e sem referências programáticas (nem sequer o epíteto Titan, que vem da tradição interpretativa). Essa versão estreou a 16 de março de 1896, em Berlim, com Mahler a dirigir a Filarmónica da cidade, num concerto onde também teve estreia a versão orquestral de Lieder eines fahrenden Gesellen. Essa versão ver-se-ia confirmada com a 1.ª edição da obra, em fevereiro de 1899, por Weininger/Viena.
Intérpretes
- Maestro
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Gulbenkian Orchestra
In 1962, the Calouste Gulbenkian Foundation decided to establish a permanent orchestral ensemble. Originally with only twelve musicians (strings and continuo) it was named “Orquestra de Câmara Gulbenkian”. This collective was successively enlarged and today the “Orquestra Gulbenkian” (the name it has adopted since 1971) has a permanent body of sixty instrumentalists, a number that can be expanded depending on the repertoire.
This structure allows the Gulbenkian Orchestra to interpret works from the Baroque and Classical periods, a significant part of 19th century orchestral literature and much of the music of the 20th century, including works belonging to the current repertoire of the traditional symphonic orchestras. In each season, the orchestra performs on a regular series of concerts at the Gulbenkian Grand Auditorium in Lisbon, where it has had the opportunity of working together with some of leading names of the world of music (conductors and soloists). It has also performed on numerous locations all over Portugal, in an effort to decentralize music and culture.
The orchestra has been constantly expanding its activities in the international level, performing in Europe, Asia Africa, and the Americas. In the recording field, Orquestra Gulbenkian is associated to labels as Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve and Pentatone, among others, and this activity was recognized with several international prizes.
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Giancarlo Guerrero
Conductor
Giancarlo Guerrero is a six-time GRAMMY® Award-winning conductor whose imaginative programming and “curatorial and interpretive creativity” (Chicago Tribune) draw out of his orchestras “exceptionally powerful and enchanting performances” (BBC Music Magazine).
The 2024-25 season marks Guerrero’s sixteenth and final season as Music Director of the Nashville Symphony, with whom he commissioned and premiered nearly two dozen pieces and released twenty-one commercial recordings, garnering thirteen GRAMMY® nominations and six GRAMMY® Awards. Guerrero will serve as Music Director Designate of Sarasota Orchestra in 2024-25 and becomes Music Director in the 2025-26 season.
Guerrero has been a frequent guest conductor in North America, performing with the New York Philharmonic, Chicago Symphony, National Symphony Orchestra, San Francisco Symphony, and the orchestras of Boston, Baltimore, Cleveland, Cincinnati, Dallas, Detroit, Indianapolis, Los Angeles, Milwaukee, Montréal, Philadelphia, Seattle, Toronto, Vancouver, and Houston. Internationally he has led orchestras in Germany, London, Spain, Portugal, France, Brazil, Belgium, Italy, the Netherlands, New Zealand and Australia.
Guerrero made several recordings with the NFM Wrocław Philharmonic – where he served as Music Director for six seasons – including the Billboard chart-topping Bomsori: Violin on Stage on Deutsche Grammophon. He has also held posts as Principal Guest Conductor of The Cleveland Orchestra and the Gulbenkian Orchestra in Lisbon; Music Director of the Eugene Symphony, and Associate Conductor of the Minnesota Orchestra.
Born in Nicaragua, Guerrero immigrated during his childhood to Costa Rica, where he joined the local youth symphony. He studied percussion and conducting at Baylor University and earned his master’s degree in conducting at Northwestern. Guerrero is particularly engaged with conducting training orchestras and has worked with the Curtis School of Music, Colburn School in Los Angeles, National Youth Orchestra (NYO2), and Yale Philharmonia, as well as Nashville Symphony’s Accelerando program and biannual Composer Lab & Workshop for young and emerging composers.
Programa
Gustav Mahler
Sinfonia n.º 1, em Ré maior
– Langsam, schleppend (Lento, arrastado)
– Kräftig bewegt, doch nicht zu schnell (Andamento poderoso, mas moderado)
– Feierlich und gemessen, ohne zu schleppen (Solene e mensurado, sem arrastar)
– Stürmisch bewegt – Energisch (Tempestuoso – Enérgico)