Handel: Messias
Arquétipo do músico poliglota e cosmopolita, Handel estudou na Alemanha e aprimorou os seus conhecimentos em Itália, instalando-se em Londres onde impôs a opera seria antes de criar a oratória inglesa. Foi um exímio organista e um genial improvisador, devotando-se inteiramente à música, ele que, tal como Telemann, tinha sido destinado pelo pai a uma carreira na magistratura. Para reconquistar o público britânico que já não acorria tanto às suas óperas em Londres, ele forjou a oratória com textos inspirados em temas bíblicos. A primeira partitura da mais ilustre de todas delas (o “Messias”) teve como libretista Charles Jennens.
Foi composta em três semanas, entre agosto e setembro de 1741 e estreada em Dublin sete meses mais tarde, perante uma assembleia compacta de 700 pessoas (no recinto cabiam 600 e tinha sido rogado às senhoras que não usassem saias demasiado tufadas e aos cavalheiros que comparecessem sem espada). Também em Lisboa foi um auditório a abarrotar que aplaudiu este celebrado ‘sermão’ musical de enorme tensão metafísica, um ‘templo babilónico’ com cerca de três horas de duração em que divergem os tormentos da humanidade e a revolta de Cristo, sofrimento sublimado com a reconciliação final da paz divina. A proporção para o gigantismo (trata-se de amplidão e não de volume sonoro, tal sublinhou de forma pertinente o maestro espanhol Pérez) foi assumida pelo Coro Gulbenkian muito dilatado por mais de uma centena de membros do Coro Participativo, agrupamento constituído por amadores com experiência coral e por estudantes de música, selecionados no verão com este objetivo, o de se unirem a profissionais para experimentar a emoção de participar no “Messias”.
Marta Infante (meio soprano), Emiliano Gonzalez Toro (tenor), José Antonio López (barítono) e Elisabeth Watts (soprano) formaram o quarteto de solistas que explorou subtilmente as possibilidades dramáticas abertas pelos contrastes dos timbres. Pela teatralidade e riqueza da sua expressividade, destacaram-se a cantora catalã e o barítono espanhol.
Ana Rocha
Expresso Revista E – 17 dezembro 2016