Amor e êxtase
A Gulbenkian-Música distingue-se pela coerência programática da maior parte dos concertos. Desta vez, o tema era “Amor e Êxtase” (com o orgasmo pelo meio). É também de louvar a revela- ção de jovens maestros como Lorenzo Viotti, vencedor aos 25 anos do Nestlé and Salzburg Festival Young Conductor Award em 2015. O programa não era pera doce: começava com o “Prelúdio e Morte de Isolde” (a folha de sala só anunciava o Prelúdio…) e fechava com o “Le Poème de l’extase” (1908), de Scriabine. Já agora, com Karine Deshayes contratada para o “Poème de l’amour et de la mer” (1893) de Chausson, poderíamos ter ouvido o ‘Liebestod’ cantado. (Sim, faz parte do repertório de muitos mezzos.) O problema é que as peças escolhidas são daquelas que põem à prova até o maestro mais experiente e genial. Os tumultos musicais da paixão e do sexo não são para qualquer um. “Tristan und Isolde” é a história de um coito interrompido (pela chegada do Rei Marke). A obra de Chausson despede-se com ‘La Mort de l’amour’, outro Liebestod. O “Prélude à l’après-midi d’un faune” (1894) de Debussy — baseado em Mallarmé e coreografado por Nijinsky — termina com o fauno a fazer amor ao véu abandonado da ninfa. O poema sinfónico de Scriabine é uma longa orgia tímbrica sem óbvia resolução tonal (como, aliás, o acorde do “Tristão”), com dois orgasmos (os clímaxes anunciados por fanfarras); Henry Miller chamou-lhe um “banho de gelo, cocaína e arcos-íris” para ser ouvido o mais alto possível! É preciso um garanhão para aguentar tanto sexo… Fora de contexto, a súmula wagneriana (‘Prelúdio e Morte’) é das coisas mais difíceis de dirigir (e então a abrir um concerto, nem se fala…). Deshayes — apreciável mezzo- -soprano francesa — deu-nos uma interpretação baça do grande tríptico de Chausson (que seguiu pela partitura): registo médio inaudível, agudos ásperos, dicção indecifrável. A Orquestra portou-se galhardamente, mas um programa de obras-primas soou a música de segunda brilhantemente executada.
J.C.
Expresso – 21 de janeiro 2017