Serviço de Exposições e Museografia
A história do Serviço de Exposições e Museografia (SEM) iniciou-se em 1969, ano da inauguração do complexo arquitetónico da Fundação Calouste Gulbenkian. A abertura do Museu da Fundação ao público e a sua atividade, já então modelar, vieram evidenciar a necessidade de criação de um serviço que respondesse às solicitações que se faziam sentir na época. Essa necessidade está manifestamente registada no V Relatório do Presidente, editado em 1973 (relato das atividades do triénio que compreende os anos de 1969, 1970 e 1971), no qual pode ler-se o seguinte: «Em fins de 1969, tendo-se reconhecido que a Fundação, depois de haver organizado o Museu Gulbenkian, era frequentemente solicitada para dar parecer sobre a organização de outros museus, que ela própria havia tomado a iniciativa de os criar, e que o número, importância e variedade das exposições que levava a efeito nas galerias do edifício da sua Sede em Lisboa, ou fora dela, estavam a aumentar constantemente, o que tudo exigia a formação de pessoal especializado capaz de bem desempenhar tão complexas funções, foi deliberado organizar um “Serviço de Exposições e Museografia”.»[1]
Projetado em 1969, o Serviço de Exposições e Museografia iniciou a sua atividade em 1970 e funcionou em pleno até ser extinto, em 1992. A sua equipa foi sempre dirigida pelo arquiteto José Sommer Ribeiro (mais tarde também diretor do Centro de Arte Moderna, entre os anos de 1983 e 1993), e teve como diretor-adjunto o arquiteto José Paulo Nunes de Oliveira.
O funcionamento deste serviço dividia-se, então, em três abrangentes eixos: a prestação de apoio a outros museus, ou a entidades dessa natureza, que o solicitassem; o apoio a outros serviços da Fundação, designadamente aos Serviços de Belas-Artes, de Música, ao Museu Calouste Gulbenkian e, mais tarde, também ao ACARTE; e a conceção e execução do seu próprio programa artístico, coordenado pelo diretor. Nesse sentido, o serviço cumpriu e superou amplamente a sua carta de intenções: além da realização e apoio a um número significativo de exposições da Fundação (chegando essa participação a traduzir-se em mais de 50 exposições por ano, de temáticas muito diversificadas, e que por estas mesmas razões formaram profissionais de uma qualidade única), este serviço foi responsável pela organização sumária de diversas instituições externas, contribuindo e promovendo a edificação de estruturas de grande importância no panorama nacional, quer através do empréstimo e cedência de materiais, quer no apoio à constituição de programas museológicos e museográficos adequados, ou até, por vezes, prestando um contributo valioso na criação dos estudos e planos arquitetónicos concebidos para determinada entidade. Pode dizer-se que se o Serviço de Belas-Artes completava uma missão de apoio essencialmente distributiva, permitindo aos envolvidos o desenvolvimento e a execução do seu plano de trabalho, foi por intermédio do Serviço de Exposições e Museografia que a Fundação deu o seu contributo direto na outra face dessa missão, proporcionando condições para que o número de entidades de ação cultural aumentasse e, assim, se visse nascer, no deserto do panorama português de então, uma estrutura geral das artes que enquadrasse e pudesse fortalecer a criação dos seus agentes e promover a formação fundamental de públicos nesse ambiente de oferta cultural diversificada.
Nos anos de 1970 e 1971, os primeiros de funcionamento do SEM, o serviço participou em todas as exposições e eventos organizados por outros serviços da Fundação, realizou dez exposições por sua própria iniciativa, colaborou numa itinerância com a Secretaria de Estado da Informação e do Turismo, concluiu a montagem do Museu de Óbidos, prosseguiu «os estudos relativos à apresentação das coleções da Casa-Museu Abel Salazar, em São Mamede de Infesta (Porto), da Casa de Bocage (Setúbal) e do Museu Municipal da Figueira da Foz, procedeu ao levantamento das áreas destinadas à instalação do Museu do Tesouro da Sé de Lisboa, elaborou o projeto de um Pavilhão polivalente, destinado a exposições temporárias e sala de conferências, a construir no Jardim da Casa-Museu Abel Salazar, e deu início ao estudo para a instalação, no Palácio Pimenta (da Câmara Municipal de Lisboa), de um Museu de Instrumentos, pertencentes, ao Conservatório Nacional de Música. Além disso, estudou e deu parecer sobre os projetos da organização, em diferentes pontos do país, de centros culturais e museus, para os quais foi solicitada a comparticipação financeira da Fundação»[2].
Desde o primeiro ano da sua atividade, e em anos posteriores, o serviço ocupou-se ainda do «estudo do mobiliário, equipamento e decoração dos edifícios ocupados pela Fundação ou de edifícios de terceiros, com finalidades artísticas ou culturais, cuja construção ou instalação a Fundação subsidiou, uma secção de trabalho que teve por denominação “Arquitectura de Interiores e Mobiliário”»[3].
Este impressionante volume de trabalho, multifacetado, exigia muito da equipa do SEM. Os cerca de 50 funcionários que a integravam formaram-se nesta pluralidade de tarefas, o que estabeleceu a criação de um referencial sem par no país. Por outro lado, o próprio serviço beneficiava da diversidade de funções e formações de base dos seus colaboradores. Entre eles, encontravam-se arquitetos, designers, carpinteiros, empreiteiros e desenhadores. Alguns destes colaboradores viriam a formar um grupo de designers que marcou profundamente a Fundação, nomeadamente na edição de catálogos: são disso exemplo Fernando Libório, Vítor Manaças ou Américo Silva.
O trabalho do SEM percorria um amplo caminho de tarefas, na extensão dos três eixos que definiam a sua atividade. Se a exposição fazia parte do seu programa artístico autónomo, somavam-se às tarefas museográficas (como o desenho e construção de paredes, painéis, vitrines expositivas e montagem da exposição) as da curadoria e investigação. A coordenação e edição de catálogos, bem como o grafismo e produção de convites, cartazes e documentação diversa relativa às exposições, ficavam também a cargo do SEM, que participava ainda na organização de várias iniciativas paralelas às exposições, como conferências, mesas-redondas ou ciclos de cinema.
Ao longo de toda a década de 70, o serviço prosseguiu as suas múltiplas funções dentro e fora das portas da Fundação. Deve assinalar-se, no entanto, o apoio continuado fora de portas que prestou à Casa-Museu Abel Salazar, ao Museu Municipal da Figueira da Foz, ao Museu da Sé de Lisboa, ao Museu da Quinta das Cruzes (Funchal), ao Centro Cultural de Montemor-o-Novo, à Sociedade de Geografia, ao Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências de Lisboa, além dos diferentes estudos preparatórios para arranjos museográficos noutros museus, nomeadamente na Casa dos Patudos (Alpiarça), Museu e Biblioteca do Crato, e Museu Luís de Camões (Macau).
Outra componente assinalável do trabalho do serviço, ainda contemplando esta década em particular, foram as itinerâncias de exposições, que tiveram lugar dentro e fora do país, percorrendo uma variedade muito significativa de localidades, nomeadamente: «Bernardo Marques: A Terra e o Mar», apresentada em 30 cidades portuguesas; «Vieira da Silva: Gravuras», que circulou por 22 municípios nacionais; e, fora do país, entre Brasília, Paris, Roma, Bruxelas, Londres e Monte Carlo, circularam, citando apenas alguns exemplos, as exposições «Arte Portuguesa Contemporânea», «Júlio Pomar», «Tapeçaria Portuguesa Contemporânea», «Portuguese Art since 1910» e «Gravura Portuguesa Contemporânea».
A Fundação organizou, ainda na década de 70, através deste serviço, a representação na XIII Bienal de São Paulo «e, em Tunes, uma exposição de documentação fotográfica dedicada à Arquitectura Romana em Portugal, inaugurada no Instituto Nacional de Arqueologia e de Arte de Tunes durante o I Encontro Luso-Tunesino de Arqueologia».[4]
Em 1979, o Conselho da Administração da Fundação deliberou a construção do Centro de Arte Moderna (CAM). Inicialmente prevista para 1981, a inauguração do CAM dá-se em 1983. Durante esse período, o SEM participou ativamente na edificação do novo Museu da Fundação, para o qual não só foi pedido o seu parecer, nesta altura já muito esclarecido, como também um projeto e programa que serviriam de ponto de partida para o arquiteto responsável, Sir Leslie Martin: «O programa do Centro foi elaborado pelo Serviço de Exposições e Museografia e serviu de base à concepção da obra da autoria do Professor Arquitecto Sir Leslie Martin. O projecto de execução foi elaborado por técnicos da Fundação e técnicos consultores.»[5]
O envolvimento da equipa do SEM na construção do CAM foi constante e diverso, como se constata no Relatório Anual de 1981: «Foi iniciada a construção do edifício do Centro de Arte Moderna com base no projecto do Arq.º Sir Leslie Martin e com a colaboração dos Arq.os Ivor Richard, Sommer Ribeiro e Nunes de Oliveira. A direcção de obra ficou a cargo do Arq.º Nunes de Oliveira e do Eng.º Ramos Lopes, e o projecto de engenharia civil, do Eng.º Mário Sena da Fonseca; os projectos de equipamento electrónico foram entregues aos engenheiros Lopes de Sousa, Massano de Amorim, Mendonça Leitão e António Caramona; o projecto das redes de drenagem e sanitária, aos engenheiros Mendonça Leitão e António Caramona.»[6]
A década de 80 foi particularmente prolífera na produção de exposições na Fundação. Essa profusão é reveladora de uma nova era da própria Fundação, que se encontrava na maturidade da sua atividade diversa. Depois de quase três décadas de funcionamento, cada serviço estabeleceu e ocupou um lugar mais definido na organização da instituição e, consequentemente, um programa cada vez mais autónomo. Entre 1956 e 1960, o Serviço de Belas-Artes e o Museu Calouste Gulbenkian estavam fundidos. A cisão dos serviços, em 1960, assinala uma evolução que se estabelece de imediato nos seus respetivos funcionamentos, e que se confirma ao longo do tempo. Em 1969, concluiu-se a construção do edifício da Sede da Fundação. Os vários serviços instalaram-se no seu espaço definitivo e deu-se a abertura de portas ao público, o que veio consolidar as estratégias pensadas e ensaiadas no Palácio Marquês de Pombal. A criação do SEM, nesse ano, vem completar outra esfera de funcionamento da Fundação, que a abertura do Centro de Arte Moderna, em 1983, e do ACARTE, em 1984, vêm rematar, nesta nova fase de laboração em pleno da Fundação, numa era de estabilidade, reflexo também do período que se vivia no país, depois de anos mais conturbados. A estabilização de um sistema político e a posterior entrada portuguesa na CEE, designadamente, não serão alheias à maturação dos projetos expositivos e à sua consagração. A «Exposição-Diálogo», em 1985, ou os «Encontros ACARTE», iniciativas em que o SEM participou, serão concretizações exemplares disso.
Assim, entre a participação do serviço em todas as diligências que envolveram a abertura do CAM e o seu envolvimento em todas as iniciativas dos vários serviços da Fundação, a década de 80 exigiu um grande fôlego: entre 1980 e 1989, foram apresentadas nos vários espaços da Fundação cerca de 269 exposições. Além da participação ativa na realização das exposições, o serviço acompanhava as respetivas iniciativas paralelas, nomeadamente as visitas e conferências. Só em 1980, o SEM participou na organização de 66 visitas na Fundação. As itinerâncias por todo o país, atividade central do serviço, que se manteve até à sua extinção, continuaram também a ser prática habitual do SEM, bem como o apoio prestado fora de portas. No Relatório Anual de 1980, pode ler-se: «De acordo com a prática dos anos anteriores mas agora mais ampliada, deu o Serviço de Exposições, por intermédio do seu pessoal especializado, apoio a cerca de 28 entidades, incluindo alguns artistas, que apresentaram as suas obras em exposições no estrangeiro. Foi também prestado ao Museu apoio permanente na conservação das obras de arte do seu acervo, e foi concedido auxílio a numerosas instituições, nos mais variados pontos do país, através da cedência de materiais para exposições diversas (painéis, plintos e vitrinas), inclusive a sua montagem local. Foram efectuadas visitas a vários museus para planificação de futuro auxílio aos mesmos através de desenvolvidos estudos museográficos.»[7]
O apoio prestado ao Museu Calouste Gulbenkian, e também ao Centro de Arte Moderna, do qual já se fez nota, ultrapassou a participação na organização das exposições. Além do apoio à conservação e à rotatividade de obras, e da organização de iniciativas diversas, o SEM foi responsável pelos estudos e execução do projeto definitivo de remodelação da Sala Lalique do Museu Calouste Gulbenkian. Do mesmo modo, foi também responsável pelos trabalhos no Centro de Educação Artístico Infantil (CAI).
Será de assinalar, ainda, o apoio continuado que prestou na década de 80, e, em alguns casos, no início da década de 90, às seguintes instituições: Museu de Aveiro; Museu Municipal Santos Rocha, na Figueira da Foz; Igreja-Museu do Sardoal; Casa-Museu Egas Moniz, em Avanca, concelho de Estarreja; museu da Igreja da Misericórdia, em Guimarães; Museu de Arte Sacra da Sé de Viseu; ou Museu da Marinha, em Lisboa. Importará ainda destacar o apoio que o SEM prestou, desde a sua génese, ao Museu de Runa, em Torres Vedras, bem como ao Centro Cultural de Bragança e ao Museu de Ovar. Neste âmbito, o SEM participou também na conceção e organização da sala-museu da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, em Guimarães, e da sala-museu no Palácio de Belém.
A extinção do SEM dá-se em 1992. Já desde a abertura do CAM que as oficinas de trabalho do serviço se encontravam a funcionar no espaço do Centro, com coordenação comum (do CAM e do SEM) do seu diretor, José Sommer Ribeiro. O entrosamento das equipas e o cruzamento do seu programa de trabalhos acabam por favorecer uma ideia de fusão, que resultou na extinção do SEM: «Estando em curso na Fundação Calouste Gulbenkian a reestruturação dos seus Serviços, que tem como um dos principais propósitos a fusão daqueles que prosseguem os mesmos objectivos ou que têm entre si idênticas finalidades, o Conselho de Administração, a 28 de Julho do corrente ano, decidiu extinguir o Serviço de Exposições e Museografia, criando, no Centro de Arte Moderna, um Departamento de Montagem de Exposições. Na realidade, o Serviço de Exposições e Museografia, que desenvolveu numerosas acções quer autónomas quer em colaboração com outros Serviços (Museu Calouste Gulbenkian, Belas-Artes, Música, Internacional e Cooperação com os Novos Estados Africanos), passou, a partir do aparecimento do Centro de Arte Moderna, a estar envolvido numa actividade conjunta. O facto de os dois Serviços terem o mesmo director consagrou na prática uma unidade de acção. De referir ainda, em relação ao extinto Serviço de Exposições e Museografia, o seu sector de Museografia, com intervenção em numerosos projectos museográficos, alguns de alcance nacional, intervenção essa que ainda se mantém. Muitas das intervenções foram iniciativas comuns com o Serviço de Belas-Artes, e a experiência adquirida é assinalável, especialmente a partir do desenvolvimento do projecto do Museu Calouste Gulbenkian.»[8]
Assim, a equipa do SEM manteve-se em funções sob a alçada do CAM, que deste modo integra, no novo e criado para esse efeito Departamento de Montagem de Exposições, uma equipa já altamente experiente e formada.
Vera Barreto, 2018
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[1] V Relatório do Presidente (1969-1971). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1973.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[5] Relatório Anual de 1979. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.
[6] Relatório Anual de 1981. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.
[7] Relatório Anual de 1980. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.
[8] Relatório Anual de 1992. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.