Museu Calouste Gulbenkian
O Museu Calouste Gulbenkian abriu ao público a 2 de outubro de 1969, dia em que se inaugurou o complexo arquitetónico da Fundação, formado pelo edifício da Sede e pelo que, além do Museu com todas as suas dependências (galeria de exposição permanente, sala de exposições temporárias, sala de conferências, serviços técnicos e administrativos e reservas), incluía o Serviço de Biblioteca Geral, já então autonomizado do Museu.
A atividade do Museu da Fundação, no entanto, desenvolvia-se desde 1956, ano da sua criação, no Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras. Sem edifício próprio, e aguardando a sua cuidada construção, formou-se uma equipa que, durante este período, teve a responsabilidade de organizar a coleção constituída por Calouste Gulbenkian.
A construção do edifício ficou sob a alçada de uma jovem equipa de arquitetos, constituída por Ruy d’Athouguia, Pedro Cid e Alberto Pessoa, cujo trabalho foi acompanhado pelos arquitetos paisagistas António Viana Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles. Contou-se ainda com o apoio de consultores externos de renome, como Franco Albini e Georges-Henri Rivière.
As primeiras seleções das peças a expor em permanência foram feitas pela diretora do então Serviço de Belas-Artes e Museu, Maria José de Mendonça, que até 1956 fora conservadora do Museu Nacional de Arte Antiga. Entre 1956 e 1958, a diretora estudou a Coleção, agrupou as peças por secções, elaborou as relações das peças a expor, apresentou o programa de instalação do Museu e elencou aspetos de caráter museológico a ter em conta, nomeadamente de climatização e segurança, indicando, desde logo, propostas na área da ação cultural.
A Coleção, exposta ou conservada nas reservas, é constituída quase exclusivamente pelas aquisições feitas por Calouste Gulbenkian ao longo de mais de cinquenta anos da sua vida, entre a última década do século XIX e o ano de 1953. São exceções (porque adquiridas posteriormente pelo Museu) algumas peças que apresentam uma relação evidente com as obras de arte que o Colecionador adquiriu.
Note-se que o elenco de peças a expor foi sofrendo alterações até à concretização final do Museu, facto compreensível se tivermos em conta a complexidade do projeto, nomeadamente:
Entre os museólogos, os arquitetos e a equipa responsável pela museografia formularam-se consensos, tendo em vista a valorização das obras de arte nas melhores condições de conservação. Criaram-se relações visuais com a natureza nos jardins exteriores e interiores, controlando-se, contudo, o excesso de luz natural. Por outro lado, pretendeu-se sugerir a memória do espaço habitado pelas obras de arte, valorizando a dimensão particular da coleção, associando-se pontualmente objetos de diferentes culturas num mesmo espaço (por exemplo, móveis franceses sobre tapetes orientais), e criaram-se áreas intimistas, com recurso a painéis divisores dos espaços ou a sugestões de privadas «câmaras de maravilhas», como na área da prataria francesa do século XVIII, ou na sala isolada para os vidros e as joias de René Lalique.
Com a inauguração do Museu, criaram-se as melhores condições de visibilidade e de conservação para as cerca de 6500 obras que o Colecionador reuniu e que, vindas da casa de Paris, dos escritórios de Londres, da National Gallery of Art de Washington e de um banco em Lisboa (as moedas), haviam estado provisoriamente expostas, em número limitado, no já referido Palácio Marquês de Pombal. Aqui, parte da Coleção estava em exibição desde 20 de julho de 1965, depois de obras no edifício e também da adaptação à sua nova e temporária utilização, tendo-se constituído como um ótimo campo de experiências na área da museografia. Com efeito, testaram-se soluções através de exposições temporárias feitas noutros museus, que se tornaram objeto de referência na história da museologia. Alguns exemplos: as exposições «Pinturas da Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian» e «Arte do Oriente Islâmico: Colecção da Fundação Calouste Gulbenkian», que estiveram patentes entre 1961 e 1963 no Museu Nacional de Arte Antiga; e a exposição «Artes Plásticas Francesas: De Watteau a Renoir», no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, em 1964.
Em 1999, entendeu-se que, apesar das condições modelares do Museu, haviam passado trinta anos desde a sua abertura, pelo que haveria reformulações pontuais a fazer na museografia e no elenco de peças a expor, mas, notoriamente, urgia substituir aparatos técnicos como o ar condicionado e a iluminação, bem como dotar o Museu de melhores meios de acessibilidade, instalando um elevador e suprimindo obstáculos para pessoas com mobilidade reduzida. Atribuiu-se o projeto desta remodelação ao arquiteto Paul Vanderbotermet. As obras foram comparticipadas pelo Programa Operacional de Cultura (POC). Encerrado a 3 de outubro de 1999, o Museu reabriu a 20 de julho de 2001.
Em Portugal, a Coleção é única na diversidade de culturas que documenta, e o tipo de objetos artísticos expostos, muitas vezes representados em museus dos países de onde são oriundos, tem aqui, reconhecidamente, uma qualidade superior, que desperta o interesse do público internacional.
Se para esse fim foi necessário divulgar com alguma regularidade a qualidade da coleção exposta em permanência, as exposições temporárias chamaram ciclicamente a atenção para o Museu, enquanto iniciativas que, sempre de algum modo relacionadas com a exposição permanente, se constituíram como motivo para o revisitar. As exposições temporárias terão, porventura, o intuito principal de produzir acontecimentos marcantes na área da produção e
divulgação do conhecimento, referenciáveis como atividades que a Fundação Calouste Gulbenkian é capaz de levar a efeito com uma qualidade única.
A divulgação internacional do Museu foi feita através de exposições fora do país, limitadas na temática por obrigarem a retirar peças expostas em permanência, o que implicaria remover inúmeras obras de referência em certos núcleos.
O encerramento, parcial ou total, do Museu para obras proporcionou condições excecionais para esta divulgação internacional, permitindo retomar iniciativas anteriores à inauguração do atual edifício, como sejam a cedência dos consideráveis conjuntos de joias de René Lalique para exposições em Londres (1961), Bruxelas (1965) e Ostende (1967). Assim, encerrada a Sala Lalique entre 1985 e o início de 1996, para obras de remodelação, foi possível disponibilizar um grande número de peças deste artista para exposições sobre a sua obra e a joalharia do seu tempo, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França e Japão, entre 1986 e 1992. Mais tarde, durante o encerramento total do Museu (1999-2001), apresentaram-se obras-primas da Coleção no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque (1999-2000), no Château de Versailles (2000) e na Fundación Santander Central Hispano, em Madrid (2001).
Estando o Museu aberto ao público, é, contudo, possível apresentar no estrangeiro grandes núcleos da Coleção que se guardam maioritariamente nas reservas, permitindo divulgar o gosto esclarecido do Colecionador, sem ser necessário levantar um significativo número de peças da exposição permanente. Refiram-se, por exemplo, os núcleos de arte islâmica, compostos de livros, vidros, cerâmicas, tapetes e têxteis, levados a Abu Dhabi em 2004 e ao sultanato de Omã em 2006, ou de livros do Oriente e da Europa, mostrados no Museu Sakip Sabanci, de Istambul, em 2006.
No ano de 2009, realizaram-se importantes colaborações entre museus, ao abrigo de uma estratégia de divulgação fundamental do Museu, nomeadamente com a exposição «Henri Fantin-Latour», que, depois de Lisboa, foi mostrada no Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, de Madrid. Também a exposição «Lisboa. Memórias de Outra Cidade», cujo título foi inspirado na obra Istambul, Memórias de Uma Cidade, de Orhan Pamuk, foi especialmente concebida para o Museu Sakip Sabanci, no âmbito da visita oficial do presidente da República de Portugal à Turquia.
A realização de exposições temporárias, algumas propostas por outras entidades, outras por iniciativa própria, foi acompanhada, na maioria das vezes, de catálogos com reflexões atualizadas e rigorosas sobre temas afins às coleções do Museu, geralmente com edição também em inglês. Esta estratégia, com caráter programático e continuado, tem vindo a ser implementada desde finais dos anos 90. São exemplos disso, e com grande destaque mediático, as exposições «História Partilhada» (2014), «A Perspectiva das Coisas» (em duas partes: 2010 e 2011) ou «O Brilho das Cidades: A Rota do Azulejo» (2013).
Foram também produzidos catálogos de núcleos da Coleção, servindo-se o Museu tanto do saber do seu corpo de conservadores, como de especialistas externos, convidados a colaborar com a instituição.
No apoio às atividades de projeção para o exterior, tem sido permanente e insubstituível o trabalho dos restauradores e dos fotógrafos, igualmente essenciais nas atividades rotineiras do Museu.
O Serviço Educativo, ensaiado no Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, e estruturado em 1970, foi o segundo criado no país. O seu papel foi essencial na divulgação do Museu e na criação de hábitos de frequência, através de uma diversidade de ações, a maioria de caráter continuado, e de uma constante prática de autorreflexão. A fidelização de um público ao Museu tornou necessário o recurso à formação de voluntários para colaboração em diversos programas. Recordem-se os de curta duração, como as visitas guiadas ou orientadas, os programas de fim de semana ou férias dedicados às crianças e às suas famílias, os programas de dias especiais relacionados com a instituição ou com as culturas e os artistas representados. Destacaram-se também os projetos de longa duração com associações culturais de acolhimento, ou com instituições de ensino ou das áreas da saúde e da solidariedade social.
Entre as atividades do Serviço Educativo, nomeiam-se também ações especiais, como exposições temáticas itinerantes ou fixas, realizadas com outras instituições ou no próprio Museu; oficinas técnicas ou de expressão criativa; concursos variados para todos os públicos; concertos musicais e atuações de grupos corais infantis; representações teatrais ligadas às culturas representadas no Museu (como a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, e as Fábulas de La Fontaine); cursos de sensibilização ou formação para agentes de ação educativa, profissionais de museus, do ensino, da saúde e do turismo; programas para públicos especiais, com condicionalismos etários, físicos, mentais ou sociais, ou ainda em resultado de movimentações sociais, temporárias ou não, tais como «retornados» e minorias étnicas (emigrantes). Criaram-se também programas específicos que envolveram pessoas em risco de exclusão social e reclusos. Destaque-se, ainda, a colaboração em programas educativos com museus portugueses e estrangeiros, bem como os muitos profissionais de ação educativa do país, e de quase todo o mundo, que foram recebidos para tomarem conhecimento da atividade do Serviço Educativo ou para estágios. O Serviço Educativo acolheu no Museu ou saiu ao encontro dos seus públicos sempre que a deslocação destes não foi possível, tendo envolvido neste amplo conjunto de projetos milhares de pessoas.
No final de 2015, por decisão do Conselho de Administração da Fundação, dá-se uma mudança substancial e sem precedentes na organização e na estratégia de funcionamento dos dois museus da Fundação (o Museu Calouste Gulbenkian e o Centro de Arte Moderna), que passariam a funcionar numa integração conjunta, sob a designação única de Museu Calouste Gulbenkian, e com uma única diretora, Penelope Curtis. Esta mudança assentou também na fusão das duas equipas, admitindo a diferenciação espacial de cada uma das coleções e a sua narrativa própria, sob os termos «Coleção do Fundador» e «Coleção Moderna». Criou-se, tendo em vista esta estrutura, um bilhete único para as duas coleções do Museu, o que assinala a pretensão de promover uma atenção renovada às mesmas, nomeadamente no equilíbrio e gestão dos públicos nacional e internacional.
Também através de um Serviço Educativo, agora unificado, foi feita uma aposta na aproximação e interligação dos projetos relativos a ambas as coleções, para uma melhor promoção da nova visão integrada e abrangente do Museu. Iniciou-se uma progressiva redução do total de projetos em cartaz, para uma melhor otimização dos recursos e uma maior articulação com os restantes serviços educativos da Fundação, o que resultou numa maior taxa de ocupação em cada atividade. Deram-se passos importantes para apresentar o Museu a um público mais diversificado, capaz de beneficiar das suas experiências de vida para compreender a relevância das peças. Desenvolveu-se trabalho na vizinhança imediata do Museu (no âmbito do projeto «O Nosso Km2»), bem como em áreas mais afastadas. Em particular, começou a investir-se na consolidação da reputação das atividades ligadas ao público com necessidades especiais e a analisar as coleções islâmicas numa perspetiva de aproximação às comunidades muçulmanas residentes em Portugal.
Programaram-se centenas de atividades educativas diferentes, relacionadas com as coleções e as exposições temporárias, num total de 2581 ações, atingindo um total de 46 351 participantes. O público escolar continua a ser o mais representado, cobrindo-se todos os níveis de ensino (do pré-escolar ao ensino superior e academias sénior) e toda a programação expositiva. A avaliação média global das atividades escolares foi extremamente positiva em 2016, e refletiu-se numa importante taxa de fidelização, uma vez que 72% das instituições de ensino inquiridas visitaram o Museu mais do que uma vez no mesmo ano. A restante programação dividiu-se, sobretudo, em visitas e outras atividades destinadas ao público em geral (adultos) e em oficinas criativas para famílias, crianças e jovens.
As visitas para o público em geral constituem a principal atividade da programação para adultos, e incluem diferentes formatos: visitas de domingo (ciclo «À Descoberta das Coleções»), conversas com curadores e artistas (ciclo «À Conversa com os Curadores e Artistas») e visitas para desenhar (ciclo «Caderno de Apontamentos»).
As oficinas criativas para famílias, crianças e jovens são a segunda componente mais significativa da programação em torno das exposições temporárias para público não organizado, sendo muito procuradas.
O programa de iniciativas levado a cabo pelo Museu revelou também uma intenção que explorou a criação de pontes inesperadas entre as coleções, como se verificou nas exposições de 2016 «Linhas do Tempo» e «Convidados de Verão», entre outras iniciativas de natureza convergente com a ideia da fusão.
Realizaram-se, também em 2016, obras de remodelação na Galeria de Artes Decorativas Francesas do Século XVIII, o que permitiu uma renovação e reorganização do espaço e dos objetos expostos. A alteração do eixo central da sala permitiu um maior diálogo entre as obras de arte, que beneficiaram ainda de uma alteração cromática dos painéis, os quais evidenciam o seu contexto de produção.
A afluência de público ao Museu e à sua exposição permanente tem sido crescente: o número de visitantes passou de 91 691, em 1970, para 157 053, em 2005, totalizando, em 2015, 217 062, o que denota um interesse continuado e progressivo por parte do público. A alteração de fundo que se dá com a fusão dos dois museus da Fundação, ocasionando uma entidade única, altera também a contagem de visitantes, embora seja possível apurar que, em 2017, com um total de 457 300 visitantes, houve uma subida de 6% face ao ano anterior.
Direção e tutelas
Responsável pelo Serviço do Museu desde 1956, Maria José de Mendonça terminou a colaboração com a Fundação em 1962, tendo sido substituída por Maria Teresa Gomes Ferreira, primeiro como conservadora-chefe e, já depois da inauguração do edifício do Museu, como diretora, lugar que ocupou até ao início de 1998.
Desde 1980, o Museu contou com os diretores-adjuntos Maria Helena Soares da Costa, até 1998, e Artur Mendes Aleixo, até 1993. Em janeiro de 1998, João Castel-Branco Pereira iniciou funções como diretor e, no ano seguinte, Nuno Vassallo e Silva assumiu o cargo de diretor-adjunto. Em 2015, com a chegada de Penelope Curtis, dá-se uma mudança significativa na organização das equipas. Penelope Curtis dirige o Museu Gulbenkian e as suas duas coleções, contando com cinco coordenadores para as áreas da Educação, Curadoria, Programação, Gestão de Coleções e Divulgação.
O pelouro do Museu foi exercido, sucessivamente, pelos presidentes José de Azeredo Perdigão e António Ferrer Correia, os administradores Luís de Guimarães Lobato e Pedro Tamen, tendo sido também exercido pelos presidentes Emílio Rui Vilar e Artur Santos Silva. Com a fusão dos museus, o pelouro é atualmente exercido por Teresa Gouveia.
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Este texto é uma versão reduzida, adaptada e atualizada do texto com o mesmo título publicado em Fundação Calouste Gulbenkian, 1956-2006: Factos e Números. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.