ACARTE – Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte
São duas as principais circunstâncias que se encontram na génese do Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte (ACARTE). Por um lado, a Fundação Calouste Gulbenkian havia deliberado, aquando da decisão de criar o seu Centro de Arte Moderna (CAM), que o mesmo deveria ser composto por um museu e por um centro de animação cultural. A organização polivalente do CAM pressupunha isso mesmo: uma direção programática multidisciplinar, mais integrada numa tendência («os centros de cultura»[1]) de uma época de grande diversidade artística e de contágio interdisciplinar. O CAM agrega na sua estrutura arquitetónica: uma Sala Polivalente; um Anfiteatro ao ar livre; uma sala de exposições temporárias; uma sala de exposições de tipo «hangar» com dois pisos-galerias; uma zona administrativa; uma zona de reservas de obras de arte com oficinas; salas previstas para servirem de ateliês de experimentação e residência de artistas (ideia que pouco se concretizou e que acabou por ser abandonada) e um centro de documentação; cafetaria e, mais tarde, uma livraria. Inaugurado o CAM a 20 de julho de 1983, tornava-se necessário completar a sua missão regida por «fins essencialmente pedagógicos e de animação cultural»[2], aos quais um novo serviço daria resposta.
Parafraseando a publicação que celebra os cinquenta anos da Fundação[3], pretendia-se, com a criação do ACARTE, em 17 de abril de 1984, uma comunicação mais eficaz entre o público e a obra de arte, para cuja divulgação se pretendia contribuir incrementando a criação artística, o progresso da educação pela arte e a criação de novos públicos e públicos mais esclarecidos relativamente às galerias do CAM e à sua Coleção. «Em linhas gerais, o ACARTE propunha-se realizar projectos multidisciplinares em que os diferentes temas fossem tratados sob os ângulos de diversas áreas artísticas, como o teatro, a música, a dança, a poesia, o cinema, as artes plásticas e a arquitetura, sendo, simultaneamente, objeto de reflexão aprofundada em colóquios, conferências e mesas-redondas.»[4]
Por outro lado, não será possível dissociar da criação do ACARTE o regresso de Maria Madalena de Azeredo Perdigão à Fundação Calouste Gulbenkian, «com uma ideologia para a cultura e um programa em gestação»[5]. Tendo dirigido o Serviço de Música desde 1958, Madalena de Azeredo Perdigão deixa a Fundação em 1975, convidada pelo Governo, para se entregar à reestruturação do ensino artístico, presidindo ao grupo de trabalho que se dedicou a essa reforma nacional. A experiência assimilada ao longo desses anos, bem como a sua incomparável e esclarecida visão do panorama cultural português, foram determinantes para a essência que viria a definir o ACARTE. Se, por um lado, havia uma linha programática da Fundação por assegurar e um novo equipamento cultural disponível para o fazer, por outro lado, existia também uma vontade particular de Madalena de Azeredo Perdigão, de natureza praticamente missionária, por cumprir: «Há um espaço aberto, desocupado, a preencher»[6]; e, mais adiante: «As grandes áreas artísticas tradicionais – teatro, cinema, música, dança, pintura, escultura, arquitectura – encontram-se em processo de contínua evolução, para poderem dar resposta às solicitações da sociedade, ela própria também em evolução, e para corresponderem às suas necessidades intrínsecas de desenvolvimento e progresso. Verificou-se uma ruptura nos esquemas estabelecidos, apuraram-se zonas de convergência, descobriram-se largas franjas de contacto entre as diversas áreas, afirmou-se a possibilidade de percursos variáveis para atingir determinada formação.»[7] Havia que encontrar um lugar, na cena cultural portuguesa, que viesse responder às necessidades de uma nova era.
Passados os anos mais conturbados do pós-revolução, e já muito próximo da entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), que viria a dar-se em 1986, o país estava ainda manifestamente afastado dos seus pares internacionais. A Fundação Calouste Gulbenkian atravessava, nesta época, uma fase de estabilidade no seu próprio caminho, sobretudo naquilo que dizia respeito à contínua consolidação dos seus diversos serviços e equipas e, consequentemente, dos seus públicos. A Fundação vinha a constituir-se, portanto, desde há muitos anos, como uma referência ímpar e fundamental na paisagem nacional. De facto, não existia, antes de iniciativas como o ACARTE e o CAM, um lugar de centralização para as artes, multifacetado, que se constituísse de forma paradigmática na cena cultural portuguesa. Se hoje existe um conjunto de entidades de ação cultural diversificada e uma estrutura geral das artes voltada para uma essência pluridisciplinar, isso deve-se, em boa parte, a uma herança deixada pela Fundação e ao seu persistente investimento na conjuntura cultural nacional, produto de uma convergência de fatores de maior ou menor plano. Neste caso particular, Madalena de Azeredo Perdigão, a «primeira programadora cultural da década de 80»[8], é uma figura determinante.
A relação singular e colaborativa entre os serviços da Fundação e a própria atmosfera de desejada abertura política do país contribuem também, ainda que de formas distintas e em escalas diferenciadas, para uma ideologia traçada nesta iniciativa que é a do ACARTE: «Este Serviço, independente do Centro de Arte Moderna embora com o mesmo colaborante, destina-se a promover actividades culturais nos mais diversos campos, norteando-se por critérios de qualidade que não invalidam, antes se reclamam, da noção de risco e da responsabilidade de erro e numa política de carácter internacionalista, como convém a um país vocacionado para a abertura ao mundo e como é próprio de uma Fundação portuguesa mas com vocação e actuação internacionais.»[9] Não será de estranhar, portanto, o vigoroso investimento político e cultural que se fez sentir em iniciativas como a «Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea» e/ou como os «Encontros ACARTE». Momentos de grande colaboração institucional, estes dois acontecimentos traduziram, de modo exemplar, o espírito que regia o ACARTE na divulgação, no apoio, na consolidação, na revelação e no incentivo à cena artística, tanto nacional como internacionalmente.
O ACARTE iniciou a sua atividade a 7 de maio de 1984, com uma impressionante determinação: entre maio e dezembro de 1984, foram apresentados cinco espetáculos de circo, 35 sessões de cinema, 25 sessões de diversos colóquios, dez concertos, quatro conferências, quatro espetáculos de dança, cinco espetáculos de marionetas, dois espetáculos multimédia, três recitais de poesia e 68 espetáculos de teatro, ocupando normalmente a Sala Polivalente (com 143 lugares) e dirigindo-se a um público que, na maioria das vezes, esgotava a lotação.
O seu programa, apresentado sob a forma de manifesto[10], anunciava um modelo de trabalho multifacetado e inovador, a ser desenvolvido nas três frentes declaradas: animação, criação e educação. Compreende-se, então, que, num plano tão abrangente, fosse essencial articular os diferentes agentes que participavam na vida cultural: a formação de professores, de artistas, e o apoio à sua atividade desempenhavam um papel tão fundamental como a formação de públicos e a sua manutenção, abrangendo, nessa esfera, crianças e adultos. O apoio à criação nacional era tão importante como a apresentação daqueles que constituíam a vanguarda artística internacional. A missão pedagógica e social era tão fundamental quanto a intelectual e artística. Nenhuma área era mais ou menos favorecida, ainda que se reconhecesse a importância de apoiar uma determinada área em determinado momento, como se pode constatar nas palavras da diretora do Serviço, quando questionada sobre a escolha inaugural da sua programação, a peça de teatro Deseja-se Mulher, integrada no «Ciclo Almada Negreiros»: «Porque o teatro de Almada tem fermento de novidade, tem impressa a marca da modernidade. E por ser teatro. Porque o teatro anda à procura de um caminho que é o seu no mundo moderno e porque importa ajudá-lo a encontrar-se.»[11]
O «Ciclo Almada Negreiros» enuncia, então, e através de várias camadas, os princípios que orientam este novo Serviço. Em primeiro lugar, sendo paralelo à «Exposição Retrospetiva de Almada Negreiros», patente nas galerias do CAM, o «Ciclo Almada Negreiros» concretiza de forma assertiva o desejado cruzamento entre serviços, como aliás virá a acontecer com outros autores e artistas ao longo da existência do ACARTE[12]. Deve assinalar-se que a difusão e reflexão sobre a obra de autores de referência foi sempre um dos objetivos do ACARTE, implicando nessa missão os vários componentes próprios de cada acontecimento artístico, que vão desde a divulgação até à criação. Por outro lado, a própria escolha da referência «Almada» (marca indubitável da modernidade) como «matriz fundadora»[13] do ACARTE vem evidenciar a essência pretendida para o mesmo. Escolhe-se, então, Almada «por se tratar de um grande artista português. Por ser um homem de talentos multifacetados que propiciavam a realização de manifestações culturais pluridisciplinares. […] Por ter sido sempre um homem do futuro, do risco, do inconformismo»[14].
O «Ciclo Almada Negreiros» inicia-se com a já mencionada peça de teatro Deseja-se Mulher, primeira produção do ACARTE, com encenação de Fernanda Lapa. Além desta iniciativa, o ciclo abrangeu os seguintes momentos: o espetáculo Antes de Começar, cujos figurinos foram desenhados por Lourdes Castro; o espetáculo pluridisciplinar de teatro, música, dança e cinema documental Almada: Dia Claro, que recriava, em três partes e em três espaços, três dimensões de Almada Negreiros e da sua época; um espetáculo multimédia da autoria de Ernesto de Sousa, Almada, Um Nome de Guerra, obra aberta que começou, em 1969, com filmagens, fotografias e gravação de som de Almada Negreiros, e que foi estreada na Sala Polivalente; a exposição «Almada Negreiros e o Espectáculo»; e um colóquio, posteriormente editado em livro.
No âmbito da educação pela arte, é criado, ainda neste ano de 1984, o Centro Artístico Infantil (CAI), estrutura integrada no ACARTE e dirigida pela pedagoga Natália Pais, que desenvolveu ao longo dos anos um conjunto muito amplo de iniciativas, tendo sempre como propósito garantir o acesso à arte, à experimentação e à formação artística de milhares de crianças e adolescentes. Mais tarde, em 1987, o Centro de Imagem e Técnicas Narrativas (CITEN), estrutura também integrada no ACARTE, investe na outra face da mesma missão: dirigido, numa primeira fase, por Carlos Borges e José Pedro Cavalheiro, e, mais tarde, por Fernando Galrito, este dinâmico ateliê desenvolveu centenas de cursos de formação nas áreas do cinema de animação 2D, cinema de animação de volumes, ilustração, banda desenhada e ainda da imagem, movimento, som e argumento. Promoveram-se, também, ciclos temáticos de cinema de animação e produziram-se filmes, estabelecendo importantes pontes institucionais em diversos campos[15].
Estas duas iniciativas de Madalena de Azeredo Perdigão constituíram um legado pedagógico consistente cujas marcas ainda se fazem sentir no atual Serviço Educativo da Fundação, para onde transitou uma parte da equipa do CAI em 2002, e no Centro de Investigação e de Estudos Arte e Multimédia (CIEAM), uma unidade de investigação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, entidade com a qual se assinou um protocolo em 2005, com o objetivo de integrar o CITEN.
O largo investimento nesta missão educativa, da qual não se poderão excluir iniciativas de grande importância que aqui não se discriminam, dada a sua abundância, como mesas-redondas e ciclos de conferências que contaram com participações de cerca de 700 intervenientes ao longo dos anos da existência do Serviço, não diminuía de modo nenhum o compromisso face ao apoio aos profissionais das várias áreas artísticas, bem como ao desenvolvimento dessas áreas em particular. Se, por um lado, se compreendia que havia «que proporcionar ao artista uma formação» que tivesse em conta todas as mudanças que se faziam sentir e que lhe permitisse «estar à altura das exigências a que o exercício da sua profissão» o submeteria[16], existia também a consciência de que esse apoio teria de surgir através de incentivos distintos: «Ora, a encomenda constitui uma das maneiras mais eficazes de fomentar a criação artística. Estímulo moral, recompensa financeira, a encomenda propicia o aparecimento de novas obras que sem ela talvez não chegassem a ser escritas, dispersos os autores noutras ocupações ou desmotivados ou momentaneamente descrentes do seu talento criador.»[17]
Ao longo do tempo da sua existência, o ACARTE coordenou, participou e produziu inúmeras iniciativas nas diferentes áreas de intervenção da sua esfera programática, tais como a dança, o teatro (área na qual se registam cerca de 130 coproduções), teatro de marionetas, mímica, música, ópera, cinema, cinema de animação, performance-arte, videoarte, artes plásticas, fotografia, arquitetura, literatura e poesia, moda, colóquios e programação infantil.
De modo continuado, regular e/ou mais pontual, o ACARTE promovia uma oferta cultural muito diversificada, assente numa atitude que gerava públicos curiosos. Através da realização de atividades de natureza mais festiva, como o «Jazz em Agosto»[18], ou através de ciclos de especificidade muito particular, como, por exemplo, workshops para profissionais da dança, procurava-se encontrar um novo modo de usufruto da cultura. São disso exemplo as várias séries de «Concertos à Hora de Almoço» promovidas pelo Serviço. Além de se revelarem inovadoras e pertinentes na forma de apresentar jovens músicos, estas iniciativas vêm integrar o público, habituado a uma certa rigidez na fruição de música erudita, num ambiente de descontração e informalismo, trazendo novas possibilidades de viver a experiência artística. Não se fazendo um registo exaustivo das iniciativas do ACARTE, poder-se-ão destacar as seguintes: «Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea na Europa» (1985); Jornadas de Letras e Artes dos Países Africanos de Língua Portuguesa (1985); «Videoclips Anos 80» (1986); Nova Dança; Novas Tecnologias; Jazz em Agosto (desde 1984); Encontros ACARTE (1987-2001); festivais diferenciados sobre boas práticas de políticas culturais (1992-1994); «Capitals» (2002-2003)[19], entre muitas outras. Muitas destas atividades previam um desdobramento, para uma reflexão aprofundada, em conferências, mesas-redondas, conversas, concertos, workshops e visitas.
Tratando-se de duas iniciativas inéditas e modelares, os já citados «Encontros ACARTE» e a participação do ACARTE na «Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea na Europa» merecem um registo mais minucioso. A «Exposição-Diálogo sobre a Arte Contemporânea na Europa» foi alvo de um investimento sem precedentes: em conjunto com o Conselho da Europa, oito instituições museológicas europeias, incluindo o CAM, organizaram um projeto expositivo de grande escala, o qual obrigou, inclusivamente, a esvaziar por completo o espaço do Centro. Como o título indicia, a exposição pretendia, através de uma seleção dos acervos dos museus envolvidos, estabelecer um diálogo, no sentido de originar reflexão e partilhar experiências sobre a arte contemporânea, encontrando pontos de convergência e/ou desvios entre a arte produzida no seio da cultura europeia. A participação do ACARTE traduziu-se na coprodução de espetáculos e de atividades performativas associadas à exposição. Nesse âmbito, apresentaram-se no país algumas das «referências históricas deste género artístico, bem como artistas mais recentes na cena internacional que tiveram uma acção importante na actualização e na passagem da performance para um formato merecedor de maior investimento por parte da produção artística, e no abandono do carácter mais improvisado»[20]. Destacam-se as intervenções de Lourdes Castro e de Manuel Zimbro, de Mauricio Kagel, de Jan Fabre, de Wolf Vostell (assinala-se aqui o célebre episódio das alfaces[21]), de Fernando Aguiar, das Percussões de Estrasburgo, de Marina Abramović e Ulay, de Carlos Gordilho, de Ulrike Rosenbach, entre outros. «A “Exposição-Diálogo” foi, para as artes performativas e para a programação do ACARTE, a nítida legitimação do carácter de vanguarda e de experimentação criativa daquele que viria a ser inquestionavelmente um lugar de referência.»[22]
A ideia dos «Encontros ACARTE», que até 1990 seriam denominados «Encontros ACARTE Novo Teatro/Dança da Europa», nasce em 1986. A proposta parte de dois jovens programadores, George Brugmans, diretor artístico do Springdance (Utreque, Holanda), e Roberto Cimetta (a quem se dedica a edição de 1989, fruto da sua morte prematura), diretor artístico do Inteatro (Polverigi, Itália). Ambos vêm partilhar a direção artística do festival com Madalena de Azeredo Perdigão nas primeiras duas edições. Assumindo por completo a dimensão política de uma integração que se fez coincidir com a entrada portuguesa na CEE e que pressupunha uma diversidade e cruzamento essencialmente europeus, o festival dá-se sob o patrocínio do comissário das Comunidades Europeias, Carlo Ripa di Meana. Pretendia-se que o mesmo fosse um encontro entre os diversos agentes da dança e do teatro europeus: diretores de companhias e de festivais, artistas, agrupamentos e, consequentemente, públicos.
O programa de 1987 contou com espetáculos de Giorgio Barberio Corsetti, La Fura dels Baus, Ricardo Pais, Needcompany, O Bando, Pauline Daniels, Pocket Opera, Adriana Borriello, Wim Vandekeybus, Jean-Claude Gallotta, Sosta Palmizi e Bow Gamelan Ensemble. A preocupação de trazer ao país tanto artistas com percursos consolidados como grupos emergentes coexistia com a preocupação de dar a conhecer e estabelecer um lugar para os análogos grupos portugueses. O lugar do debate, por vezes mais generalizado, outras vezes mais no contexto da especificidade do tema abordado, era programado em iniciativas como «encontros-diálogo» com os artistas, mesas-redondas, seminários e conferências.
«A qualidade da sua programação faria do ACARTE um lugar fundamental no circuito internacional da dança e do teatro contemporâneos. A confirmar o prestígio alcançado pelo ACARTE esteve a apresentação […], quase sempre em estreia absoluta em Portugal, de companhias que significavam o que de mais inovador acontecia no mundo na década de 80»[23]: será exemplo disso a estreia mundial da coreografia de Jean-François Duroure, Coeur de Lion, coproduzida pelo ACARTE em 1988.
Ao longo dos anos, mais tarde até com nova direção no Serviço, os «Encontros ACARTE» trouxeram pela primeira vez a Portugal grandes criadores de referência das artes do espetáculo contemporâneo, como Reinhild Hoffmann (1988), Pina Bausch (1989-1994), Tadeusz Kantor (1989), Johann Kresnik (1991), Meredith Monk (1992, 1997), Robert Wilson (1993), Robert Ashley (2001), entre outros. A par da apresentação de artistas consagrados, havia também a preocupação de apresentar o trabalho de jovens criadores (nos anos 80 e 90): Catherine Diverrès, Jan Lauwers, Jean-Claude Gallotta, Joelle Bouvier/Regis Obadia (L’Esquisse), Márcia Milhazes, Wim Vandekeybus, entre outros.
Com os «Encontros», o ACARTE procura, uma vez mais, trazer para a cena nacional a vanguarda artística internacional, opção que é fruto de controvérsia promovida por uma ala mais conservadora do país, que temia a perda da identidade cultural portuguesa. Sobre esse aspeto, Madalena de Azeredo Perdigão respondia com a questão que centralizava a ação cultural do ACARTE: «Perguntar-se-á se se é mais português voltado para o interior, a procurar raízes e a fortificar fronteiras, ou aberto ao exterior, na expectativa duma chuva que poderá fertilizar o solo pátrio.»[24] A ideia de «fertilizar o solo pátrio» não poderia aplicar-se melhor a um serviço que procurou constituir, em todas as frentes artísticas e pedagógicas, um lugar de todas as artes, de todos os agentes e de todos os públicos[25].
No final de 1989, morre Madalena de Azeredo Perdigão. É criado, por deliberação do Conselho de Administração da Fundação, o Prémio ACARTE/Maria Madalena de Azeredo Perdigão, com o intuito de premiar personalidades ou grupos que se distinguissem pela inovação no campo das artes.
Será preciso fazer notar que na década de 80, quando surge o ACARTE, o quadro artístico português tinha praticamente tudo por fazer. O mesmo não se verifica mais tarde, na década de 90 e nos anos que se seguem. Envolvido numa atmosfera artística bastante mais diversificada, o país assistia agora ao aparecimento de novos equipamentos culturais, de maior quantidade de produções e de condições acrescidas para programações mais consistentes. Nasce, então, como herança da tradição do ACARTE, um conjunto de estruturas que completam e traçam uma continuidade da sua missão. Em parte, uma das tarefas do ACARTE estava cumprida. Não será de estranhar, pois, que o Serviço vá diminuindo o fôlego de algumas iniciativas e que vá encontrando um caminho menos voltado para a pluridisciplinaridade e mais focado na especificidade dos trajetos que a sua direção apontasse.
Entre 1990 e 1994, José Sasportes assume as funções de diretor do ACARTE, nomeado por sugestão da sua antecessora, responsável ainda por grande parte da programação de 1990. Entre as muitas iniciativas que coordenou, algumas delas já aqui mencionadas, será de destacar aquela que trouxe cinco espetáculos de Pina Bausch à cidade de Lisboa, os «Encontros ACARTE» de 1994.Entre 1995 e 1999, Yvette Centeno é responsável pela direção do Serviço, sendo assinalável a estreia, nos «Encontros ACARTE» de 1995, do espetáculo inaugural da companhia Artistas Unidos: António, Um Rapaz de Lisboa. Em 1999, o ACARTE perde autonomia e é integrado na estrutura administrativa do CAM. Jorge Molder assume, então, a direção do serviço entre 2000 e 2002, sendo Mário Carneiro o seu diretor-adjunto, e o responsável pela programação. A iniciativa «Capitals» é o momento que se destaca nestes últimos anos. O Serviço é extinto no final de 2002.
Vera Barreto, 2018
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[1] Cf. Nuno Grande, «CAM: entre o Hangar e o Museu», 30 Anos: Centro de Arte Moderna Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, pp. 19-41.
[2] Relatório Anual de 1984. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
[3] Fundação Calouste Gulbenkian, 1956-2006: Factos e Números. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
[4] Ibidem, p. 257.
[5] António Pinto Ribeiro, «ACARTE 1984-2003», Fundação Calouste Gulbenkian, Cinquenta Anos: 1956-2006 (coordenação: António Barreto). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 369. .
[6] Ibidem, p. 368.
[7] Ibidem, p. 368.
[8] Ibidem, p. 371.
[9] Relatório Anual de 1984. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
[10] Ver documento digitalizado, em anexo.
[11] Apud António Pinto Ribeiro, «ACARTE 1984-2003», Fundação Calouste Gulbenkian, Cinquenta Anos: 1956-2006 (coordenação: António Barreto). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 272.
[12] Pier Paolo Pasolini (em 1985), Arshile Gorky (em 1984), Fernando Pessoa (em 1985), Cesário Verde (em 1986), Federico García Lorca (em 1987), Shakespeare e Amadeo de Souza-Cardoso (em 1987), Joseph Beuys, Loïe Fuller, Marta Graham e Isadora Duncan (em 1991) e Picasso (em 1993) são alguns dos autores de referência cuja obra foi objeto de discussão e divulgação mais ou menos alargada.
[13] António Pinto Ribeiro, op. cit., p. 371.
[14] Ibidem, p. 371.
[15] Cf. Fundação Calouste Gulbenkian, 1956-2006: Factos e Números. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
[16] Apud António Pinto Ribeiro, «ACARTE 1984-2003», in Fundação Calouste Gulbenkian, Cinquenta Anos: 1956-2006 (coord. António Barreto). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 368.
[17] Ibidem, p. 368.
[18] Cf. Fundação Calouste Gulbenkian, 1956-2006: Factos e Números. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, pp. 263-270.
[19] Ibidem.
[20] António Pinto Ribeiro, op. cit., pp. 373-382.
[21] A performance-instalação Jardim das Delícias, de Wolf Vostell, contemplava, na intervenção do artista, o uso de centenas de alfaces, que se encontravam dispostas pela Sala Polivalente do CAM. Numa atitude insólita, os espectadores, sem que houvesse qualquer indicação para tal, iniciaram uma «guerra de alfaces», atirando-as uns aos outros. O artista ficou muitíssimo satisfeito com a reação inesperada do público.
[22] António Pinto Ribeiro, op. cit., p. 374.
[23] Ibidem, p. 372.
[24] Encontros ACARTE 87: Novo Teatro-Dança na Europa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Serviço ACARTE, 1987.
[25] Tal ideia é substancialmente desenvolvida e aprofundada na tese de doutoramento de Ana Bigotte Vieira, com o revelador título No Aleph, para Um Olhar sobre o Serviço ACARTE da Fundação Calouste Gulbenkian entre 1984 e 1989.