Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade

Exposição individual de trabalhos de Pedro Cabrita Reis (1956), com iniciativa do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. A mostra foi comissariada por José Sommer Ribeiro, Jorge Molder e Cabrita Reis, apresentando um conjunto de trabalhos realizados entre 1989 e 1994 e, à época, inéditos para o público português.
Solo exhibition of works by Pedro Cabrita Reis (1956) an initiative of the José de Azeredo Perdigão Modern Art Centre. The show, curated by José Sommer Ribeiro, Jorge Molder and Cabrita Reis, featured works previously unknown to the Portuguese public produced between 1989 and 1994.

«Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade» foi o nome da exposição de trabalhos de Pedro Cabrita Reis (1956) que esteve patente no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) entre maio e julho de 1994, ano em que a cidade de Lisboa foi Capital Europeia da Cultura.

A exposição ocupou uma parte muito significativa do CAMJAP e reuniu um conjunto de obras particularmente relevantes da produção mais recente do artista. O projeto do catálogo compreendeu uma análise exaustiva da obra de Pedro Cabrita Reis, com ensaios de Alexandre Melo e de José Miranda Justo, e uma reprodução de todas as obras expostas.

Comissariada por José Sommer Ribeiro, Jorge Molder e pelo próprio Pedro Cabrita Reis, a exposição apresentou um conjunto de 18 trabalhos realizados entre 1989 e 1994, período cuja produção, na altura, era pouco conhecida do público português. Assim, dos 18 trabalhos apresentados, dois eram inéditos – Posto de Observação (1994) e Sistemas de Constelações (1994) –, e apenas outros dois tinham já sido expostos em Portugal – A Casa da Pobreza (1989) e Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa (1993).

Sobre a escolha de se omitir quase uma década de trabalho de Cabrita Reis – que para Jorge Molder poderá ser encarada como «os anos de aprendizagem», anteriores a uma nova afirmação da sua práxis artística –, o diretor do CAMJAP afirma que o período de 1988-1989 marca uma data de viragem e profunda transformação na obra do artista, reflexo da sua memória pessoal e coletiva, emoções e meditação, e de uma experiência íntima que é desenvolvida entre dois sentidos opostos, numa persistente tensão de forças entre o mundo romântico e arrebatador e o mundo clássico e contido: «Uma constante luta entre uma energia criadora tumultuosa e excessiva e uma notável contenção das intenções.» (Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade, 1994)

O trabalho apresentado nesta retrospetiva insere Cabrita Reis no movimento dos anos 90 que Alexandre Melo apelida, no seu texto para o catálogo, de «nova escultura europeia», tendência que se começou a afirmar a partir da segunda metade da década de 80, tendo como precedente Beuys e a arte povera, e como representantes Tony Cragg, Thomas Schütte, Juan Muñoz, Jan Vercruysse e Rachel Whiteread. Em confronto com a escultura americana de filiação sociológica, pop ou conceptual, as «novas esculturas europeias», nas palavras de Alexandre Melo, «surgem associadas a valores filosóficos, antropológicos, metafóricos e poéticos, apostando na complexidade, ambiguidade e distanciamento, e privilegiando dimensões como as da subjectividade e da memória» (Ibid.).

A relação com o autorretrato e a escala antropomórfica, em que a medida é o corpo do artista, são elementos transversais a todo o corpus artístico de Cabrita Reis. Apesar das várias referências à sua história pessoal, que evocam memórias de lugares ou paisagens, e sobre as quais Leonor Nazaré refere uma «consciência ambulante, em fuga, em derivação e em busca numa zona obscura», a compreensão do seu trabalho é independente destas, permitindo uma leitura que não obriga ao conhecimento da sua biografia (Nazaré, Expresso, 10 jun. 1994).

Da mesma forma, o nome de cada trabalho não é indispensável à análise do mesmo, pois não se trata de uma descrição ou pista para o seu significado, mas apenas de um referente para um episódio da história do artista, ecoando na história pessoal de cada observador. A dimensão metafórica assume um valor fulcral no trabalho de Cabrita Reis, permitindo-lhe convocar grandes temas e valores antropológicos ou metafísicos, como as origens primordiais e as energias vitais, algo que faz de modo indireto, alusivo e ambíguo.

O conjunto apresentado caracterizou-se, fundamentalmente, por uma redução ao essencial, através de uma lógica de concentração de efeitos visuais, e por uma vocação monumental, conseguida pela ocupação total dos espaços, com a intenção de reforçar a presença das peças, impulsionada por uma depuração das cores que chega ao limite do uso exclusivo do branco. Esta purificação formal, aliada à valorização do desgaste e da erosão dos materiais, expõe a passagem do tempo, que, num grande número de obras realizadas durante este período, é limitado. Muitas das obras são site-specific e, após permanência na exposição a que se destinam, são destruídas, passando a existir apenas como projetos.

Os materiais rudes e pobres, como a madeira e o gesso, em que o branco predomina, dão corpo a trabalhos realizados entre 1989 e 1992, como a série Casas, conjunto de obras em que os temas desenvolvidos passam pela apropriação da natureza pelo homem, traduzindo-se em elementos que remetem para o espaço doméstico, como a casa, a lareira, o poço, a cisterna, a fonte, o reservatório, os canais. Apesar da variedade de elementos, todos os trabalhos têm em comum a circulação ou distribuição de energia a partir de algo que a gera, como a casa ou a fonte. No entanto, não se trata apenas da construção de um universo de objetos que geram e conduzem energia, mas de um registo da passagem e da ocupação da natureza pelo homem.

A partir de 1992, Pedro Cabrita Reis utiliza um maior e mais diverso conjunto de materiais, de que é testemunho a série Hospitais. Neste grupo, o artista trata o tema do hospital como uma espécie de casa, desenvolvendo-o através de uma maior complexidade construtiva e exuberância, a partir de materiais como o pano, o vidro, os tubos de borracha e de cobre, as lâmpadas e outros objetos do quotidiano.

No âmbito da exposição, foram adquiridos três trabalhos: um à Galerie Barbara Farber – D(oor), D(am) (1990) (Inv. 94E343) – e dois ao artista – Natureza Morta (1992) (Inv. 95E351) e Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa (1993) (Inv. 95E352).

«Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade» foi divulgada na edição de abril-junho de 1994 da Colóquio/Artes. No número seguinte, a mesma revista publicou um artigo assinado por Cristina Azevedo Tavares, no qual a crítica de arte elogia a exposição, referindo-se-lhe como uma «excelente instalação de Pedro Cabrita Reis» (Tavares, Colóquio/Artes, jul.-set. 1994, p. 69).

A exposição foi posteriormente apresentada na Fundação de Serralves, entre 19 de maio e 10 de julho de 1994.

Carolina Gouveia Matias, 2018

“Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade” (“Pedro Cabrita Reis. Against Clarity”) was the name given to an exhibition of the works of Pedro Cabrita Reis (1956) on show in the Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão [José de Azeredo Perdigão Modern Art Centre] (CAMJAP) between May and July 1994, a year in which Lisbon was the European Capital of Culture.

The exhibition occupied a large area of the CAMJAP and brought together a significant selection of the artist’s recent works. The catalogue contained in-depth analysis of the oeuvre of Pedro Cabrita Reis, including essays by Alexandre Melo and José Miranda Justo, along with reproductions of all of the pieces exhibited.

Curated by José Sommer Ribeiro, Jorge Molder and Pedro Cabrita Reis himself, the exhibition presented a set of 18 pieces produced between 1989 and 1994, a period of work largely unfamiliar to the Portuguese public at the time. As such, of the 18 pieces on display, two – Posto de Observação (1994) and Sistemas de Constelações (1994) – were previously unseen, and only two – A Casa da Pobreza (1989) and Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa (1993) – had been exhibited in Portugal.

On the choice to omit almost a decade of Cabrita Reis’s work – which, according to Jorge Molder, could be viewed as “his formative years”, prior to a renewed affirmation of his artistic praxis –, the director of the CAMJAP claims that the 1988-1989 period marked a turning point and a moment of profound transformation in the artist’s work, reflecting his personal and collective memory, emotions and musings, and an intimate experience that occupies the space between two opposite poles, embodying the constant tension between the heady world of romance and the world of restrained classicism: “a constant struggle between tumultuous, boundless creative energy and a remarkable restraint of intent.” (Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade, 1994)

The work exhibited in this retrospective situates Cabrita Reis within the 1990s movement that Alexandre Melo, in his catalogue texts, terms “new European sculpture”, a trend that began to emerge in the second half of the 1980s, drawing on Beuys and arte povera and spearheaded by Tony Cragg, Thomas Schütte, Juan Muñoz, Jan Vercruysse and Rachel Whiteread. In contrast to the sociological, pop art or conceptual leanings of American sculpture, “new European sculpture”, in the words of Alexandre Melo, “arises from various philosophical, anthropological, metaphorical and poetic values, opting for complexity, ambiguity and detachment and favouring dimensions such as subjectivity and memory” (Ibid.).

The relationship with self-portraiture and human scale, the unit of measure being the body of the artist himself, are common themes throughout Cabrita Reis’ oeuvre. Despite several references to his own personal background, which evoke memories of places and landscapes, revealing what Leonor Nazaré refers to as a “wandering mind, on the run, drifting and searching in a space of darkness”, his work can be understood independently, permitting interpretations that do not require knowledge of his biography (Nazaré, Expresso, 10 Jun 1994).

Similarly, we do not need to know the names of each individual piece in order to analyse them, as they do not describe the work or offer any clues as to its meaning, instead simply referring to an episode in the artist’s life, which resonates with the personal story of each viewer. The metaphorical dimension is central to the work of Cabrita Reis, enabling him to tackle weighty anthropological and metaphysical topics and values, such as primordial origins and life forces, something he does in an indirect, allusive and ambiguous manner.

The works exhibited are, fundamentally, defined by their stripped back nature, an approach that seeks to concentrate their visual impact, and by their monumental scale, achieved by completely filling the space in order to assert their presence, further enhanced by a streamlining of the colour pallet, at its most extreme restricted solely to white. This purity of form, combined with a conscious foregrounding of the wear and erosion of the materials, reveals the passage of time which, in several of the works produced during this period, is limited. Many of the works are site-specific and, after the exhibition for which they were created ends, they are destroyed, coming to exist only as plans.

The pieces produced between 1989 and 1992 are constructed of rough, crude materials such as wood and plaster and are predominantly white. These include the Casas series, a collection of works contemplating the theme of human use of nature, embodied in elements that allude to the domestic sphere, such as the house, the hearth, the well, the water tank, the fountain, the cistern and the drainage channel. Despite the diversity of these elements, the works are united by the theme of circulation or distribution of energy from a source of generation, such as the house or the fountain. However, this is not a simple reconstruction of a world of objects that generate and channel energy, but rather a record of human presence and occupation of nature.

From 1992, Pedro Cabrita Reis began to employ a larger and more varied range of materials, as illustrated by the Hospitais series. In this group, the artist tackles the theme of the hospital as a kind of house, which he develops though increasingly complex, exuberant constructions, using materials such as fabric and glass, rubber and copper tubes, lamps and other everyday objects.

Three pieces were acquired to coincide with the exhibition: one – D(oor), D(am) (1990) (Inv. 94E343) – from Galerie Barbara Farber and two – Natureza Morta (1992) (Inv. 95E351) and Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa (1993) (Inv. 95E352) – from the artist himself.

“Pedro Cabrita Reis. Contra a Claridade” was covered in the April-June 1994 edition of Colóquio/Artes. In the subsequent editions, the same magazine published an article by Cristina Azevedo Tavares, in which the art critic praises the exhibition, calling it an “excellent Pedro Cabrita Reis installation” (Tavares, Colóquio/Artes, Jul-Sep 1994, p. 69).

The exhibition later went on display in Fundação de Serralves, from 19 May to 10 July 1994.


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

A Casa do Esquecimento

Pedro Cabrita Reis (1956-)

A Casa do Esquecimento, Inv. 93E301

D(OOR), D(AM)

Pedro Cabrita Reis (1956-)

D(OOR), D(AM), Inv. 94E343

Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa

Pedro Cabrita Reis (1956-)

Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa, Inv. 95E352

Natureza Morta

Pedro Cabrita Reis (1956-)

Natureza Morta, Inv. 95E351

A Casa do Esquecimento

Pedro Cabrita Reis (1956-)

A Casa do Esquecimento, Inv. 93E301

D(OOR), D(AM)

Pedro Cabrita Reis (1956-)

D(OOR), D(AM), Inv. 94E343

Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa

Pedro Cabrita Reis (1956-)

Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa, Inv. 95E352

Natureza Morta

Pedro Cabrita Reis (1956-)

Natureza Morta, Inv. 95E351


Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00332

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém lista de convidados, formulários de empréstimo, correspondência interna e externa, recorte de imprensa. 1992 – 1995

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00843

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência sobre a aquisição da «D(oor), D(am)» (1990) à Galerie Barbara Farber. 1994 – 1995

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00894

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência sobre a aquisição ao artista das obras «Natureza Morta» (1992) e «Meus pais deram-me aquilo que podiam, alma da sua diversa» (1993). 1995 – 1995

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 116057; ID: 116058; ID: 116059

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1994


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