Catarina Leitão. Natureza Domesticada

Exposição temporária de Catarina Leitão (1970), com curadoria de Leonor Nazaré. A exposição abordou a relação do homem com a natureza, refletindo com ironia sobre a sociedade de consumo e tocando questões como o ordenamento do território, a ecologia, o conceito estético de paisagem ou a ideia de experiência íntima na natureza.
Temporary exhibition on Catarina Leitão curated by Leonor Nazaré. The exhibition focused on the need for mankind and nature to become closer, using irony and humour to represent the creation of a relationship between urban society and the wild, natural world.

«Natureza Domesticada» foi o nome da exposição de Catarina Leitão (1970) que o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) apresentou entre 4 de junho e 15 de setembro de 2002. Programada por Jorge Molder, a mostra teve curadoria de Leonor Nazaré e design expositivo de Cristina Fonseca.

O projeto da exposição partiu do interesse do CAMJAP em apresentar a instalação The Body In The Garment In The Furniture In The Room, realizada por Catarina Leitão em 1999, no âmbito do mestrado que a artista frequentava no Hunter College de Nova Iorque com o apoio de uma bolsa atribuída pela FCG e pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. «Natureza Domesticada» apresentou pontos de contacto com aquela, apresentando um conjunto de esculturas e desenhos em aguarela que refletiam com ironia sobre a sociedade de consumo e a sua relação com a natureza, através da utilização de materiais confortáveis, práticos e tendencialmente descartáveis (Carta de Catarina Leitão para Manuel da Costa Cabral, 23 jan. 2000, Arquivos Gulbenkian, CAM 00503).

Nas palavras de Jorge Molder, diretor do CAMJAP, «Catarina Leitão mostra nesta exposição um conjunto de objetos e de desenhos que nos fascinam pela sua presença, independentemente de todos os desenvolvimentos que lhes possamos emprestar» (Catarina Leitão. Natureza Domesticada, 2002, p. 6).

A obra exposta transmite a relação da artista com o conceito de paisagem e com o que este suscita na própria e na sociedade, abordando ainda o modo como o seu significado pode ser deslocado e modificado. A deslocação empática, no sentido de proximidade e afastamento, está em causa quando se observa a relação que o observador estabelece com os trabalhos: existe um primeiro patamar de atração que parte da familiaridade sentida e que rapidamente é desconstruído quando é percecionada a estranheza dos elementos.

Com esta exposição, Catarina Leitão abordou questões como o saudosismo rural e o desejo de uma vida mais ligada à natureza. Para a artista, a natureza tornou-se sobretudo um dispositivo visual na cidade, mais do que uma forma verdadeira de envolvimento com ela. A relação é da ordem da simples apropriação e alimenta «os nossos impulsos consumistas, a necessidade de conforto físico e a necessidade de estar perto da natureza» (Catarina Leitão. Natureza Domesticada, 2002, p. 20), sem estabelecer empatia real, proteção, preocupação ou envolvimento profundo com a vida do reino vegetal no planeta.

O jardim recriado, lugar de meditação e pequeno oásis da vida citadina agitada, é assim uma experiência do olhar, que relativiza todos os outros sentidos e minimiza a interação física. Como refere Leonor Nazaré, a partir de certo ponto na história da arte e da cultura «é do olhar que se trata, quando a natureza a avaliar é um espaço onde o homem não tocou. O ponto de vista e os acessos ao lugar, por um lado, e as imagens e fantasias nele projectados por quem olha, por outro, definem o olhar» (Catarina Leitão. Natureza Domesticada, 2002, p. 10).

Neste sentido, esta exposição opunha-se à mostra de 2001, realizada no Museu de Arte Contemporânea de Sintra, na qual Catarina Leitão montou tendas que podiam ser visitadas e onde se podia permanecer, ouvindo, vendo e cheirando o espaço em redor, numa experiência imersiva global que, neste caso, não existe.

No trabalho de Catarina Leitão coexiste a abordagem de questões como o ordenamento do território, o discurso ecológico, a noção de meio ambiente, o conceito estético de paisagem, a ideia de lazer e a de experiência íntima na natureza. Ao trazer a natureza para o contexto da cidade, procurando dessa forma diminuir o sentimento de distância das pessoas em relação a ela, procede-se também a formas de proteção excessivas ou artificiais, que visam sobretudo a referida relação consumista, e uma necessidade nunca plenamente saciada, como explica Celso Martins no pequeno artigo que escreveu para o semanário Expresso (Martins, «Catarina Leitão», Expresso, 31 ago. 2002).

A ideia de domesticação da paisagem é abordada, por analogia, através da inclusão de elementos pertencentes ao quotidiano doméstico. Tanto em desenhos como em esculturas, objetos como sacos de compras, sapatos, sofá, mesa ou lavatório transportam ou contêm água, troncos de árvore, ou pequenos animais. A par desses objetos de mobiliário, eram também expostos sacos de feltro com imitações de relva e terra por dentro, e desenhos de mochilas, de onde saíam troncos de madeira. A escala da natureza nestas representações, como refere Leonor Nazaré, operava uma redução favorável aos gestos consumistas ou à simples proposta feita por cada um «de que leve a natureza às costas» (Catarina Leitão. Natureza Domesticada, 2002, p. 12).

No âmbito da exposição, Catarina Leitão passou a estar representada na coleção do Centro de Arte Moderna, com a aquisição de cinco desenhos Sem Título, a que se juntou a instalação Selva Confortável (2002), doada pela artista.

A exposição teve uma boa cobertura por parte da imprensa escrita. O catálogo acolheu pareceres favoráveis, em particular o texto da curadora, sobre o qual a crítica de arte Luísa Soares de Oliveira escreveu: «Num belíssimo texto que apresenta a exposição, Leonor Nazaré fala da perda da relação com a natureza que, nas grandes cidades, a ausência da necessidade de caminhar a pé provocou.» (Oliveira, Público, 27 jul. 2002, p. 27)

Carolina Gouveia Matias, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1831

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1832

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1833

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1834

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1835

Selva Confortável

Catarina Leitão (1970-)

Selva Confortável, 2002 / Inv. 02E1243

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1831

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1832

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1833

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1834

S/Título

Catarina Leitão (1970-)

S/Título, 2001 / Inv. 02DP1835

Selva Confortável

Catarina Leitão (1970-)

Selva Confortável, 2002 / Inv. 02E1243


Publicações


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00503

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência externa e informações sobre a instalação «A. R. D. Artificial Retreat Device» (2000). 2000 – 2002

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00976

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém proposta de aquisição, e nota com a sua concordância, de cinco desenhos «S/Título» realizados a aguarela sobre papel da artista Catarina Leitão. Contém ainda a informação da doação da instalação «Selva Confortável» (2002). 2002 – 2002


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