«P. – Mas essa memória, esse mistério na ou da sua obra não é, no início, principalmente, a revelação ou a exorcização de um medo?

R.– Sim, revela tudo isso. Por exemplo, na ideia da “Caverna”, como a representada na “Cena Aberta” (onde duas pessoas nos olham dum teatrozinho), na imagem do barco e noutros elementos de uma iconografia íntima e de alguns fantasmas (as máscaras, as espadas, os cães, etc.). Tudo isto deriva da existência de uma compressão que no interior da ilha é terrível, cósmica, de meter medo. Pode não ter a ver com a pintura, mas tem certamente a ver com a cultura. […]

R. – Há no quadro da “Caverna” um monstro exótico, um tigre no “Amor Jacente”. De onde vêm esses referentes, pergunto-me eu? Alguns, literalmente, do tempo que se vivia; mas os outros pareciam dizer adeus à própria possibilidade de serem figurados. […]

P. – Fala sempre de pintura (apesar de algumas experiências ou projectos seus noutras linguagens) como o veículo privilegiado da linguagem artística?

R. – Parece-me que é ainda no plano da pintura, nessa superfície onde a imagem está e não está, que o peso da arte tem o seu referente mais complexo. Sem querer insistir na minha pessoa, lembro-me que na tela “Três Opiniões do Mestre Ferreiro” tentei pôr, por exemplo, as três dimensões de um quadro: a grade modernista, no plano do quadro e aberta sobre o fim ilusionista da terceira dimensão; para cá do plano (como em Léger), a figura da mulher com um lenço na mão; e, finalmente, o simples grafito do ferreiro. É claro que este lado de leitura conceptual não é o que mais me interessa, mas enfim… […]

R. – Não, agora, por exemplo, estou interessado em “assinaturas”. Penso fazer grandes telas de uma cor base única com a assinatura de pintores quinhentistas portugueses ocupando todo o espaço, como se fossem grandes ampliações, pormenores de retábulos ou telas.

P. – Porque escolheu esse período específico e esse tipo de sinal identificador para o seu projecto?

R. – Por ter sido um “século de ouro” para a nossa pintura e por ser uma época em que a escrita tem um belo grafismo. Serão por vezes assinaturas inventadas. Porquê assinaturas? Bem, a assinatura parece-me dar a ideia paradoxal dum autor anónimo. Fui eu quem fiz isto! E assina-se, na dúvida.»

(PINHARANDA, 1990, pp. 23-24; 26-28)