O quadro “Melancolia” (1942) mostra, à direita

«O quadro “Melancolia” (1942) mostra, à direita, uma casa rústica, num espaço naturalista; à esquerda, um espaço chiriquiano, francamente cenográfico, com róseas torres artificiais, sendo a figura humana mais alta do que elas.

À primeira vista, somos tentados a entender a imagem globalmente, unificando os dois espaços. Para isso contribui a representação do muro, de topo, e também, de modo mais subtil, todo um jogo óptico de compensações de um lado e do outro. Repare-se que, se à direita é marcada a sombra do muro (de onde emerge uma vaga figura de um cão solitário), à esquerda aparece uma árvore escura, havendo assim cores escuras e de matéria espessa, nos dois lados da secção do muro, que é contrastante por der lisa e ter cor amarela clara.

É em função desta lista vertical que sentimos o quadro construir-se, e tendemos a procurar ao longo dela o ponto de fuga da perspectiva, unificadora da imagem global em que começáramos por acreditar. Ora, a tomada de corrente eléctrica, pela sua forma circular, oferece-se como local ideal para a fixação do olhar, hipnoticamente, malgrado a banalidade do objecto e o insólito da sua colocação.

Os dois buracos da tomada estão representados de modo a parecerem também um par de olhos abertos, fixos, redondos como os olhos dos gatos, enquanto que, pelo contrário, o gato representado à esquerda tem os olhos fechados. É um gato escuro, que projecta uma sombra enorme e absurda.

É, portanto, já numa segunda leitura, que somos surpreendidos, “olhados” fixamente pelos buracos-olhos a que inicialmente não prestáramos atenção. Julgávamos ser nós os sujeitos observadores, livres e activos, e descobrimos tarde demais que estávamos a ser objectos observados por outrem. Não éramos afinal nós quem definia livremente a finalidade dos nossos actos; estes revelaram-se meros constituintes de um processo “observado” por olhos dissimulados de um objecto vulgar, que supuséramos inanimado.»

(Rui Mário Gonçalves in O Fantástico na Arte Contemporânea, 1992, p. 9)


Bibliografia


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