«Em Antítese da Calma uma figura nua atravessa obliquamente o quadro resvalando para a esquerda para perto de uma serpente, segurando uma granada na mão direita, enquanto a outra mão acaricia um touro suspenso atrás de si.

À sua frente uma figura feminina de costas para o observador, também com algumas alusões a Guernica, fecha a cena em baixo como o plano mais próximo. Uma forte contorção do corpo permite à figura erguer a cabeça para levantar o seu olhar, que se lança sobre a zona superior do quadro como um forte eixo vertical de simetria, que o seu olhar processa, invisível mas marcante, que nos induz a uma ameaça exterior e acima do quadro. […]

À direita exibe-se uma esquálida figura feminina com a nudez de carnes esverdeadas. A paisagem de ruínas, rochas e uma árvore fossilizada ao centro, com um obstruído mar verde-escuro ao fundo e sob um céu azul de trevas, tem sabor apocalíptico. As figuras acumulam-se em pouco espaço, concentrando ges­tos tensos que se suspendem no seu próprio choque interativo. Nenhum gesto fi­gurado esclarece o seu significado nem, muito menos, o de qualquer outro gesto.

Em baixo à esquerda, espreitando a partir de uma cova, uma figura arrega­la aos olhos como voyeur incrédulo. O absurdo decide-se neste olhar estrangulado, rasteiro e perpendicular ao olhar vertical e para cima da figura de costas, que suge­re um autorretrato do pintor. O próprio sentido do real lhe escapa, explanando-se perante si como absurdo. O voyeurismo do autor põe-se no interior da imagem que o próprio produziu, no seu próprio delírio poético, para a espreitar com espanto, numa autêntica vertigem do olhar […].»

(DIAS, 2016, pp. 84-85)