Apesar de exposta apenas em 1969 na exposição antológica de Dacosta na Galeria Buchholz, esta pintura foi, até muito recentemente, pouco vista e mal estudada. Depois de reaparecer em exposição em torno de Carlos Queiroz (2013), foi de imediato integrada no catálogo raisonné, tendo cativado a atenção pela sua peculiar aproximação ao surrealismo. Havendo a informação de que a pintura foi oferta de casa­mento de António Dacosta ao amigo e escritor Carlos Queiroz, a obra pode datar-se de 1938 (data do casamento), fazendo dela uma das raras obras de início do ciclo surrealista, encerrando também possíveis alusões açorianas. Juntamente com O Passarinheiro (c. 1937) [ADP6], é um significativo momento de viragem e de ultrapassagem da fase escolar que lança a fase surrealista.

Uma das primeiras análises, do crítico José Luis Porfírio, sublinha o jogo com a distância e a memória: «Uma das cartas, a única reconhecível, é um ás de copas com o coração ferido ou rasgado e completa sentimentalmente esse efeito de separação e distância. O artista não tem rosto aqui, ou antes, o seu rosto é todo ele ausente, feito de memória e, sobretudo, de distância, a paisagem, não sei se se poderá localizar ou se sofre, ela própria, o mesmo efeito de distância, mas, se esta obra inaugural estiver em sintonia com o resto da obra é, uma vez mais, dos Açores que se trata; dos Açores habitando mesmo lá bem dentro da cabeça do artista» (Porfírio, «Questões de Memória e de Distância. António Dacosta 1914-2014. Re­gresso a Casa», 2015, p. 73).