José-Augusto França

José-Augusto França (Tomar, 1922). Catedrático Jubilado da Universidade Nova de Lisboa (1992). Catedrático Associado da Universidade de Paris III (1985-1988). Doutorado em História (1962) e Doutorado em Letras e Ciências Humanas (1971), pela Universidade de Paris Ill. Diplomado em Sociologia da Arte pela École Pratique des Hautes Études, Paris (1961). Sócio emérito da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Nacional de Belas-Artes (de que foi presidente entre 1976 e 1979). Presidente de Honra da Association Internationale des Critiques d'Art – AICA (1984). Membro honorário do Comité International d'Histoire de l'Art (1992) e do Syndicat Français de la Critique de Cinéma (2005). Presidente do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa, Instituto Camões (1976-79). Diretor do Centro Cultural de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian (1983-89). Diretor da Revista Colóquio-Artes (1971-1996).

Lembranças de António Dacosta

 

Conheci pessoalmente o António Dacosta em outubro de 1948, em Paris, apresentados pelo Casais Monteiro, amigo de ambos em Lisboa, no café Deux Magots em St. Saint Germain des Près. Eu vira a exposição de pinturas dele com o António Pedro, em fins de 1940, nas salas da Repe, uma casa de móveis que fechara, na Rua Paiva de Andrada, ao Chiado, que depois foi o dancing Nina’s Bar (e hoje restaurante Rock in Chiado). Tinha dezoito anos, não conhecia nenhum dos expositores; depois fui vendo quadros do Dacosta nos salões de Arte Moderna do SNI, e também as páginas de humor, bem estranho, em que colaborava no semanário Acção, e lendo críticas de arte que publicava no recente Diário Popular (que António Pedro lançara com o amigo comum António Tinoco em 1946). Em fins de 1947, Dacosta foi para Paris, com uma bolsa que Pierre Hourcade lhe obteve, do Institut Français, e de lá continuou ele a enviar críticas de arte para esse vespertino –que viriam a ser reunidas em volume em 1999 com prefácio meu (Dacosta em Paris).

Assim em 1948 conheci António Dacosta, no início de uma camaradagem e de uma amizade que só com o seu desaparecimento terminou, em 1990 – escrevendo então notícia na Colóquio Artes (n.º 88, março 1991). Desde 1946, eu ia frequentemente a Paris e Dacosta passou a ser uma relação constante, em longas conversas de café e de exposições visitadas. Ele colaborava então regularmente no grande quotidiano brasileiro O Estado de São Paulo (e eu também, durante alguns anos), representado em Paris por Novais Teixeira, emigrante político português, que pelo António conheci para longa amizade também. Dacosta continuava a fazer para lá críticas de arte – e muitas vezes ele me procurava no hotel ou no café, e as compúnhamos a quatro mãos, para ele enviar à pressa pelo correio. Repetimos mais tarde a experiência para o excelente depoimento que o António deu no catálogo da exposição do António Pedro que realizei na Fundação Gulbenkian em 1979. Foi escrito a uma mesa do Deux Magots.

Entre 1947 e 1970 e muitos, António Dacosta pouco ou nada pintou, por falta de condições de vida e alguma, ou muita, preguiça. Eu vi ainda, no hotel do Quai Voltaire uma composição que realizara, abstractizante, em forma de biombo e que terá sido das últimas obras então pintadas; mas em 1949 deu-me um pequeno quadro (que intitulou Espaço Ocupado) e logo a seguir enviou outro para a exposição do Grupo Surrealista de Lisboa (janeiro 1949), em que amistosamente se integrou, intitulado Cuidado com os Filhos, composição expressionista e abstractizante que o Almada Negreiros adquiriu, tendo o quadro que me fora oferecido tido também então comprador (o jornalista António Neves Pedro; obra perdida e sem reprodução). Enviei ao Dacosta o pagamento obtido para, em troca, haver outro quadro que, em verdade, nunca chegou a vir… Mas no desfazer do atelier do António Pedro, em Campo de Ourique (em 1948), vieram-me às mãos vários quadros e desenhos de Dacosta: o Amor Jacente (desde 2000 em colecção particular), Duas Figuras (desde 2000 no Museu de Angra do Heroísmo, cedida a pedido da viúva do António), uma grande figura de mulher em aguarela de c.1947 e um desenho de c.1940 (ambos no Museu de Tomar, por doação minha); e ainda dois pequenos quadros de figuras, um que dei ao primeiro filho do António (O Passarinheiro), outro que guardo na minha casa de França; outras obras tiveram então outro destino privado. Em 1949 falei do António pela primeira vez, no Balanço das Actividades Surrealistas e em 1951 publiquei um texto sobre Amor Jacente no n.º 12 de Cadernos de Poesia, intitulado Da Poesia Plástica; no ano seguinte, dirigindo a Galeria de Março, lá realizei uma exposição de obras de Dacosta (abril 1952), obtidas em várias mãos privadas; e o Rui Mário Gonçalves, dirigindo a galeria de arte da Livraria Buchholz, lá realizou muitos anos depois (Janeiro de 1969) uma exposição de obras suas (muitas delas as já expostas em 1952). Várias vezes, em contexto histórico, escrevi sobre António Dacosta, a primeira em 1949, a última em 2004.

Em 1957, o António veio ao meu hotel de Paris, o Hôtel Saint-Pierre, fazer-me um retrato a gouache, com várias tentativas sem resultado e desistidas, mas voltando na manhã seguinte, com o retrato pintado, de cor, no seu quarto vagamente habitado no Hotel Montalembert perto de St. Germain des Près. É o meu melhor retrato, que naturalmente guardo…

No nosso convívio parisiense (uma só vez nos encontrámos em Lisboa que ele passara muitos anos sem revisitar), contavam, em anos 50 a 70, visitas de fim-de-semana feitas a Vasco Costa, na La Dauberie, junto a Neauphle-le-Château, perto de Paris; ambos o conhecêramos em Lisboa, e ele ali se instalara, para pintar, após a Guerra (que fizera no exército americano) – e eram, mais uma vez, longas conversas sobre a pintura que íamos ver, e criticar, em produção permanente, com um ou outro amigo mais, críticos às vezes, como o Henry Galy-Carles ou o Georges Boudaille, e a Maluda a certa altura e finalmente. E havia sempre disputadas partidas de ping-pong! Como recordação, posso ainda falar de um apartamento que habitei em Paris, na Rue Des Renaudes perto de l’Etoile, num prédio onde o António tivera apartamento também, propriedade de Tomás Ribeiro Colaço, exilado no Brasil, que lho emprestava.

Ali ele vinha jantar comigo várias vezes e tive então a ideia, certamente útil, que propus ao André de Gusmão que dirigia o Serviço de Belas Artes da Gulbenkian, de contratar o António para dar apoio aos Bolseiros que começavam a afluir a Paris e que ele já acompanhava por camaradagem, com a sua longa experiência parisiense, a galerias e ateliers. Não obtive resposta…

Em meados dos anos 70, Dacosta veio mostrar-me umas novas pinturas que começara a fazer, compondo telas em forma de leque, na altura com formas abstractizantes; acho que não entendi bem o que ele procurava, e não pudemos ter mais diálogo, infelizmente para mim. Mas em 1980, quando se preparou uma exposição em apoio à candidatura de Ramalho Eanes à Presidência da República, telefonei-lhe para Paris em convite que logo aceitou. Tardou a chegar o quadro prometido, que alguém nos trouxe à SNBA, só na própria manhã da inauguração e foi o Fernando de Azevedo, encarregado da acrochagem, que ainda conseguiu expô-lo; foi a primeira obra a ser vendida (à Dra. Conceição Botequilha). Era um quando meio pintado, meio colagem, magnífico de invenção sensível, e publiquei-o, em preferência imediata, na capa da Colóquio Artes (n.º 49, junho 1981), num número em que saiu um estudo sobre a pintura anterior do António Dacosta, por Rui Mário Gonçalves.

O António começara a trabalhar, animado pela nova mulher, Miriam Rewald, que lhe equilibrara a vida boémia há anos levada em Paris. Em 1983 teve exposição de quadros novos na Galeria 111, e então votei no prémio anual da AICA que lhe foi acertadamente atribuído. Em outubro de 1985 organizei no Centro da Gulbenkian em Paris que dirigi (1983-1989) uma série de pequenas exposições de pinturas do Artista do Mês que eram vistas, na passagem dos muitos frequentadores da biblioteca e dos cursos, com fichas ilustradas dos artistas que começaram por ser, entre os 27 do total, o Vasco Costa e o António Dacosta. Ele recomeçara então uma actividade de pintor com grande sucesso em Lisboa, graças, sobretudo, a Manuel de Brito, na sua Galeria 111. Com o seu amistoso apoio vim a fazer uma bela exposição do Dacosta, feita com doação múltipla no Museu de Tomar onde está representado (18.ª exposição, julho 2005).

Outra lembrança a contar, foi a aquisição oficial para a Secretaria de Estado da Cultura (então titularizada por Helder de Macedo), que fiz ao Tomás de Mello (Tom), do quadro A Festa, de 1942, que tinha tido o prémio Souza-Cardoso do SNI. Ele devia ter destino de um Museu de Arte Moderna, previsto para o Porto, em 1978, antes da institucionalização final da Casa de Serralves. Acabou por ficar no Museu do Chiado.

Mas outra e última lembrança guardo do António Dacosta: o admirável monumento, desenho filiforme de duas hastes de metal, erigido em 1995 ao alto da cidade de Angra do Heroísmo, na sua ilha Terceira dos Açores, obra traçada por ele na cama do hospital onde ia falecer e a que José Aurélio deu notável solução técnica. Fui ver a inauguração e dela falei na Colóquio Artes (n.º 106, junho 1995). Ao mesmo tempo uma exposição tinha lugar na cidade natal do António com obras de 1928 a 1990.

 

jun 2011 / nov 2012

 

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