«Uma obra de António Dacosta tem um título que oculta o mito. Chama-se As 3 Opiniões do Mestre Ferreiro. Mas eu sei que um dos avós do António Dacosta era ferreiro; e poderia fazer uma certa análise para mostrar que o quadro pode ser interpretado mítica ou psicanaliticamente, pisando terrenos perigosos, que se confirmam mutuamente, mas que põem muitas vezes ao crítico problemas de deontologia: até onde deve o crítico dissecar a personalidade do autor em estudo? Porque, muitas vezes, não pode deixar de perceber que um título pode dizer ou esconder, devido a circunstâncias pessoais.

Entrevistado por um jornal sobre este quadro, António Dacosta dizia que são 3 afirmações, porque, no quadro, há 3 espaços: um espaço para trás da janela, que é o espaço tradicional; um espaço que é o próprio plano do muro; e um espaço para cá, que é a mulher nua. Isto esconde mais do que explica: distrai. Mas o que não há dúvida é que o lugar de inscrições espontâneas é o espaço real da tela; digamos, o plano do meio, onde não podemos deixar de ver uns graffitis indefinidos e fantasmagóricos. Fico, também, com a convicção de que este quadro pode ter interpretação mítica: se eu disser que é Vulcano e Vénus e que as 3 afirmações são 3 imposições, posso aludir à autoridade do marido. E, possivelmente, surge a hipótese do marido enganado (o que, para a mitologia grega não tinha importância nenhuma: os Gregos divertiam-se imenso com as astúcias de Vulcano e com as práticas de Vénus).»

(GONÇALVES, 2004, pp. 188-189)