Pintura idílica, os quadros de Dacosta deixam aparecer
«Pintura idílica, os quadros de Dacosta deixam aparecer, de facto, vivas cores, ensombrecidas por indizível não se sabe quando, a envolver de poética atemporalidade imagens de flagrante actualidade formal. Imagens que, na lembrança possível de certas minúsculas composições de Henrique Pousão, assumem pelo pequeno formato diferentes paisagens de vastidão marítima, do sussurro das fontes de Sintra, da humidade de falésias ou dos jardins de fadas. Como retrospectivando as próprias raízes da sua formação de pintor. Dacosta fez remontar o maravilhoso surrealista de encontro a suas origens históricas, no simbolismo romântico. Porém, em si, ironizam-se flexões revivalistas numa dimensão afectiva, acertando-se a recentíssimas propostas de um postmodernismo que revê o passado da modernidade.
Contínua chamada de lugares e momentos vividos, renascidos em frescura lúdica, a sua pintura tem uma espontaneidade só possível pela experiência feita. É essa pintura, expoente de despreconceituada naturalidade, capaz de indissociar o cultural no existencial. Antes de mais, afirmações do plano, do encantamento sensual de texturas ou de directos contrastes cromáticos, tais obras multiplicam motivações figurativas duma memória liberta, mas a serenar sempre no requinte executivo de cada quadro, a forma exacta dum discurso lírico com eco imediato nas nossas emoções mais fundas. E a memória do pintor, transporta-nos para sítios açorianos, para a Évora antiquíssima da lenda, para horizontes atlânticos que se verticalizam abstractamente. Leva-nos até junto de mulheres surgidas em inocência erótica pelas quais se recupera também o envolvimento táctil dos afagos maternais.
Tudo consigo transborda o confessional subjectivo para diferente plano de comunhão sensível que relembra o sentido da arte, ligada à mitologia ou à religiosidade popular: sentida simultaneamente evocação do mistério sacral e libertação festiva de catarse vitalista.
Muitas da mais bela telas, agora expostas na “Zen”, confirmam quanto em Dacosta a fluência da maturidade trouxe a reconquista da juventude. Nunca, todavia, há consigo arrebatamentos de “pulsão selvagem”. Ao inverso, nele subsiste uma nostalgia que decanta o esplendor mais agressivo de cores “fauves” numa delicadeza terna a repercutir constantes emocionais que o ligam a específica condição espiritual, talvez enraizável numa sensibilidade colectiva portuguesa. Ou, pelo menos, assim sentida no diálogo com a sua (nossa) pintura.»
(PERNES, 1984, p. 9)