«Em “Cena Aberta” (1940), o pormenor central é simultaneamente a representação de três coisas: um camarote, com seus reposteiros; um palco, com sua cortina; e uma caixa-de-ponto. Espectadores, actores e indicadores do discurso são, simultaneamente, as figuras do casal. Dada a grandeza do formato desta tela, pouco habitual nas pinturas de Dacosta realizadas na mesma época, e considerando a escala maior das figuras circundantes desse pormenor, além da mais evidente teatralidade e simbologia irracional, o casal de espectadores-actores-pontos é susceptível de merecer uma múltipla leitura, que, também ela, se estabelece circularmente.

O casal parece espantado, como público. Manifesta o seu espanto, como actores. Um espanto interrompe um discurso neutro, como deve ser o pronunciado pelo ponto.

[…]

Em “Cena Aberta”, o mais-além é procura dramática que se encarna nas figuras de uma mulher e de uma criança. Uma rapariguita tem um pássaro pesando-lhe na cabeça e bicando-lhe agressivamente a palma da mão. Outro pássaro é porém pacífico adorno na cabeça da mulher encafuada na caixa-de-ponto desta “Cena Aberta”.

Na criança é a aflição que leva ao esgar; nas outras, o olhar revela mais o mundo interior. E, no meio de todo este drama, uma grande figura monstruosa, mantendo todavia sinais humanos encara, imóvel, o longínquo. Parece o olhar de um cego. Na sua face está cravada uma flecha, que não se sabe de onde veio. O homem sofre e procura mais longe do que na realidade imediata o como e o porquê da crueldade. Esta figura humana deformada, olhando para fora da cena, contrasta com os animais, que estão empenhados no movimento, com os olhos obstinados no seu objectivo imediato.»

(GONÇALVES, 1991, p. 8-9)