«A deformação e a fragmentação afetam a antropomorfologia das figuras. A do lado esquerdo que sai dos espaços côncavos, parecendo dentro das entranhas de uma montanha com silhueta de cabeça, levanta a mão direita que tem uma espé­cie de prótese que se eleva como um tentáculo segurando um indecifrável objeto. A mão direita, com tom de gangrena, cujo braço é agarrado por outra mão que pertence a um corpo que sai para fora de cena, segura uma moeda que parece ofe­recer (ou receber?) a uma cabeça sem corpo que domina o espaço aberto do lado direito da composição. As mãos, esquerda e direita, oferecem-se diametralmente opostas à posição da cabeça, como que a cercando. Esta cabeça, sendo de novo possível aproximar a um autorretrato algo inchado do pintor, está sobre uma co­roa de espinhos e tem o topo coberto com um pano com um nó no cimo. A figura parece admoestada, cansada, traumatizada, adoentada, mas sobretudo atónita. O espaço fechado do lado esquerdo contrapõe-se ao que se estende aberto do lado direito, com montanhas, rios e mar ao fundo.»

(DIAS, 2016, p. 89)