«[…] Até pelo simples título da tela podemos sem esforço chegar à ideia de teatro que informa toda a arte de António Dacosta. Mas também a ordenação das figuras no espaço é feita numa disposição cénica, agrupadas muitas vezes numa espécie de palco ou tablado, e afrontando-se num conflito que dramaticamente se define.

Na evidência desta ordenação surge ainda, no próprio centro do quadro, a representação dum pequeno teatro de marionettes. Aí, personagens centrais de um drama que se desenrola neles e através deles, um homem e uma mulher ainda jovens recortam-se no pequeno rectângulo cénico que os delimita, os rostos apresentados em “grande plano”. Pela importância que têm no todo espacial, não será ousado afirmar que neles se coloca o centro do problema, ou o problema maior da composição. […] Da sua “caixa cénica”, estas duas “personagens” olham para o “exterior” como se aí vissem apenas a representação das suas preocupações, do drama que os habita, e essa outra figura humanizada, abrigada sob as únicas formas quebradas que existem no quadro, atestando a construção do homem, simboliza a própria Consciência, essa que vigia e pode ferir de morte, apenas com um olhar dos seus olhos claros a potência mítica e obscura que dorme na alma humana.

Mas, no primeiro plano da tela, ainda outra figura se ergue, numa complexidade de formas fálicas, vegetais, a simbolizar uma poderosa força instintiva rompendo da profundeza da terra sobre os prados intensos. Ora, é no bafo quente da Besta que essas mesmas formas se incendiam.

[…] Em “Cena Aberta”, o mundo é sobretudo definido como Natureza, e o homem como o lugar de uma drama que se joga num conflito de forças naturais elementares com uma Consciência que deve ser entendida como Cultura. No imenso espaço vazio que se alarga para lá das figuras ordenadas nos planos, raia uma luz violeta de amanhecer… Bem se poderia afirmar que “Cena Aberta” representa, para lá de tudo o mais, os alvores duma nova idade dessa Consciência.»

(BRONZE, 1969, pp. 34; 36-37)