Noutros tempos as sopranos retiravam-se aos 20 e tal ou 30 anos, depois de se casarem com um homem rico, de preferência aristocrata; os barítonos e baixos duravam mais tempo. Os tenores não são para aqui chamados, como reza o título deste concerto. Percebo a ideia: no palco, o barítono apaixona-se pela soprano, mas esta casa-se com o tenor; ciumento, o barítono jura vingan- ça. Sexagenário confirmado, Thomas Hampson tem hoje uma voz seca e gasta; também nunca foi um barítono verdiano, e as suas incursões recentes neste repertório são para esquecer. O que sempre foi, é um músico inteligente e culto, e apreciável intérprete de Lieder. (A tradição acusa os tenores de serem estúpidos e remete a esperteza para baixos e barítonos.) O programa, delineado com Luca Pisaroni, dividia- -se em duas partes: uma mais séria, dedicada à ópera (Mozart, belcanto); outra, mais desopilante, consagrada à opereta e ao musical americano. O problema é que um já não tem a voz, e o outro ainda não tem o estilo (para o musical). Hampson confessou uma bronquite (e equiparou-se à rainha de Inglaterra, que já perfez 90 anos), desistiu do Verdi (“Macbeth”) e pediu ao colega e genro para cantar o ‘Vi ravviso’ de “La sonnambula”. Pisaroni é um esplêndido barítono italiano, mas faltam-lhe os graves redondos para o repertório de baixo (que não é). Hampson passou a noite a fazer batota, berrou e cantarolou, fugiu aos agudos e alterou a linha vocal a seu belo prazer. Faz pena. Vem cá há 30 anos e no auge da carreira tinha apenas uma centena de pessoas a ouvi-lo. Ambos compensaram com momices e overacting (vocal e gestual) e o público delirou. (No palco de ópera são atores muito mais contidos.) Hampson ainda deu um ar da sua graça no ‘If ever I would leave you’, de “Camelot”, e Pisaroni mostrou a sua categoria de cantor mozartiano. Ao piano, Christian Koch brindou-nos nos uma bonita transcrição do Intermezzo de “Pagliacci”. Em extra, duas canções do American Song Book (incluindo o inevitável ‘White Christmas’), e a rematar o célebre dueto papagueado, ‘Cheti, cheti immantinente’, de “Don Pasquale” (que em tempos áureos Hampson cantava brilhantemente com Samuel Ramey nestes concertos NTA, ou ‘No Tenors Allowed’).

 

Jorge Calado

Expresso – 30 de dezembro 2017