Grigory Sokolov

Ciclo de piano Gulbenkian Música – 6 março 2016
19 mar 2016

Num ensaio sobre Delacroix, Baudelaire destacou que, para se concentrar na paixão do trabalho, o pintor vivia numa “torre de marfim” e que, das poucas saídas que fazia em Paris, era para visitar Chopin, ficando mergulhado numa profunda rêverie quando seguia aquela “música ligeira e apaixonante, comparável a um pássaro brilhante que esvoaça sobre os horrores do abismo”. Completamente absorvido pela arte e pelo estudo incansável das partituras de Bach, Mozart, Beethoven, Schubert e Brahms, o pianista Grigory Sokolov (São Petersburgo, 1950) vive num estado de introspeção e só abandona a sua ‘torre de marfim’ para regalar os amantes da música com cerca de 70 recitais anuais. Com um estatuto quase mítico entre os seus fãs, ele é referido como “génio”, “único” e “gigante do piano”. Vivendo longe de mundanidades e do circuito da celebridade que amolece outros intérpretes, organizando-se segundo um modus operandi conhecido que o leva a tripartir os seus recitais, Sokolov reservou, em Lisboa, a primeira parte para Schumann (“Arabeske”, op. 18 e “Fantasia em Dó maior”, op. 17), a segunda para dois noturnos e uma sonata (“Nº 2, em Si bemol menor”, op. 35) de Chopin e a última para uma meia hora torrencial com seis generosos ‘extras’. Nas raras declarações que faz, o prodigioso artista enfatiza que explicar música através de palavras não é um assunto árduo, é um assunto impossível pois que a conexão espiritual entre compositores, pianista e público, bem como os efeitos produzidos, não pertencem ao domínio da verbalização racional, sendo cada espetáculo absolutamente único e irrepetível. Na tarde de domingo dia 6 e perante o auditório esgotado, só o Steinway deu alguns sinais de desgaste, ao contrário de Sokolov, o pianista que recebeu o Primeiro Prémio do Concurso Tchaikovsky de Moscovo há 50 anos. Uma tempestade de aplausos recompensou a eloquência, a intensidade, a paleta de cores ilimitada, a variedade de dinâmicas e nuances, o controlo mágico da linha melódica, a velocidade alucinante e a imaginação transbordante do antigo protegido de Emil Gilels.

 

Ana Rocha

Expresso, 19 Março 2016

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