Concerto Mozart

27 mai 2017

De vez em quando coincidem os intérpretes certos com um programa bem gizado, e o resultado é uma maravilha. Há muito tempo que não ouvia Mozart tocado com tal frescura, imaginação e profundidade: o 1º andamento de uma serenata, dois concertos para piano e uma sinfonia. É sempre frustrante não ouvir as obras completas, como aconteceu com a (longa) “Serenata nº 9” (1779), dita da ‘Corneta de Postilhão’ (que intervém no 2º trio do 2º minueto), mas houve muitas oportunidades para ouvir as trompas em ação. O suíço Olivier Cavé revelou-se um pianista mozartiano de alto gabarito, a tal ponto que fui logo a correr comprar o disco (Alpha), com a mesma formação e maestro. Mozart é sempre jovem (morreu aos 36 anos incompletos), mas é interessante comparar o “Concerto nº 5” composto em 1773 aos 17 anos (o programa diz que foi em 1733, 23 anos antes do compositor nascer…) com o “nº 25” (1786), contemporâneo de “Le Nozze di Figaro”. O primeiro concerto é galante, rematado com uma cadência barroca; o segundo concerto, com a longa entrada marcial da orquestra, é parente próximo da “Sinfonia nº 41” (‘Júpiter’, 1788), que também integrava o programa. Não passou despercebida a semelhança que uma das marchas tem com a futura ‘Marselhesa’! Entusiasmou-me a agilidade e clareza da execução de Cavé (que alia a precisão virtuosa com a rara leveza de toque). Há que louvar ainda a magistral articulação com a orquestra, principalmente no 2º andamento do “Concerto nº 25” (que é um mirabolante colóquio entre o piano e a flauta, oboé, fagote e trompa; apenas destoou, no início, a entrada em força da trompa). O 3º e último andamento (uma sonata-rondò) abre com um tema que Mozart reciclou da Gavotte (dança final) do “Idomeneo” (1781). Ninguém notou porque, por razões dramáticas, o bailado é em geral cortado (como foi também na transmissão recente do Met). Divertissement é uma orquestra ad hoc formada por Rinaldo Alessandrini para este projeto. Embora a tónica seja acentuadamente italiana, engloba alguns dos “melhores músicos europeus especialistas em interpretação com instrumentos de época”. Resta acrescentar que o maestro, uma autoridade no barroco italiano, nos deu um Mozart mais Amadeo do que Gottlieb e que ficámos todos a ganhar.

 

Jorge Calado

Expresso – 27 de maio 2017

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