Os cantos da Alma

Coro Gulbenkian - Concerto a capella
16 abr 2018

“A voz constitui uma ligação direta ao que de mais interior e íntimo temos em nós: a alma” diz o maestro Pedro Teixeira nesta entrevista a propósito do concerto em que vai dirigir o Coro Gulbenkian. Serão interpretadas obras de compositores tão diversos como Manuel Cardoso, Healey Willan, Peteris Vasks, John Sheppard, Arvo Pärt, Thomas Tallis, Patrick Hawes e ainda, em estreia absoluta, uma composição de Rui Paulo Teixeira inspirada em Fernando Pessoa. Antigo membro do Coro Gulbenkian, Pedro Teixeira foi diretor do Coro de la Comunidad de Madrid, ao qual se mantém ligado, e tem a seu cargo dois coros nacionais: o Ricercare e Officium Ensemble. Neste concerto, que tem por título Alma, interessa ao maestro criar uma ligação direta com o público apenas por meio da voz dos coralistas.

 

 Como surgiu a ideia deste concerto?

 Este concerto partiu do entendimento da voz como instrumento intrínseco do corpo humano nas suas várias vertentes de fala, canto, meio de comunicação universal e de expressão de sentimentos. A voz constitui uma ligação direta ao que de mais interior e íntimo temos em nós: a alma. A voz é alma e a alma é voz. A partir desta premissa (entre tantas outras) surgiu a ideia de criar um programa em que todas estas componentes se entrecruzam. É a alma que catalisa este programa.

 

 O que levou à escolha de um conjunto de obras tão diverso?

O que pretendi com o programa deste concerto foi criar uma ligação o mais direta possível com o público, através da música coral fundamentalmente a cappella (sem acompanhamento orquestral). O programa inicia com o sublime “Introitus” do Requiem a seis vozes de Frei Manuel Cardoso e termina com a obra Stars, do letão Eriks Ešenvalds. Pelo meio teremos peças de Healey Willan, Peteris Vasks, Carlo Gesualdo, Claudio Monteverdi, Arvo Pärt, Thomas Tallis, Patrick Hawes e Eriks Ešenvalds, John Sheppard e Rui Paulo Teixeira. É a eternidade da alma que serve de eixo a todo o concerto.

 

 De que modo?

 Enquanto “criações de alma”, todas estas obras detêm algo de eterno, seja numa estética renascentista ou numa contemporânea. Por exemplo, o Requiem de Manuel Cardoso, uma das composições mais inspiradas de toda a história da música portuguesa (e, arrisco, europeia), tem estreitamente a ver com a ideia da vida para além da morte que brilhará sobre as almas que concluíram o seu caminho neste mundo. A obra de Willan (How they so softly rest) musica um poema belíssimo de Henry Wadsworth Longfellow, elogio do eterno descanso das almas sagradas que repousam nos túmulos silenciosos e já não choram, nem sofrem, simplesmente esperam, debaixo do cipreste, o chamamento do anjo que as virá acordar do seu sono. Mais uma vez, estamos perante o maravilhamento pela vida para além da vida, esse estágio de silêncio transcendental – e que tão bem é captado pela obra do compositor letão Peteris Vasks em Silent Songs, o seu ciclo inacabado de pequenas obras corais que se relacionam intimamente com o silêncio.

 

 A estreia mundial de Mensagens, inspirada em Fernando Pessoa, será um momento especial?

Seguramente. Trata-se de uma obra especial, de um dos nossos compositores mais talentosos e que tem escrito verdadeiras obras-primas para coro. A sua linguagem é verdadeiramente vocal, não tivesse Rui Paulo Teixeira sido cantor de coro, conhecendo como ninguém as suas características e potencialidades.

E esta obra em particular parte de vários textos de Fernando Pessoa, esboçando o caminho das almas desde o assumir de um estado de insignificância (“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.”) até à assunção de que tudo pode ser possível (“À parte disso, tenho em mim todos os sonhos domundo.”). Em termos de escrita, o compositor vale-se de várias técnicas, desde texto recitado (há sempre um orador ao longo dos cerca de dez minutos da obra), texto sussurrado e cantado, efeitos de ar aspirado e inspirado e assobios, imitando o vento ou a própria existência estratosférica da alma. Tal como o compositor escreve, “mais do que uma criação musical, esta obra é uma composição poético-filosófica sobre o nosso profundo universo, ressoando no âmago da alma”.

 

 Assumir a direção de vários coros obriga a uma gestão por vezes difícil?

Efetivamente, durante cinco temporadas fui maestro titular de um dos coros profissionais de Espanha, o Coro de la Comunidad de Madrid. Neste momento deixei a titularidade, mas continuo a minha colaboração como maestro convidado para várias produções do coro e orquestra. As minhas viagens entre Madrid e Lisboa são neste momento bastante menos frequentes, mas é verdade que, desde 2012, a minha presença nas duas cidades era permanente, devido aos projetos que mantinha em Portugal. Não poderei dizer que foi uma gestão fácil, como é evidente, mas o amor pela música – e pela música coral em particular – fez com que estes anos tivessem passado com a tranquilidade possível, e ainda assim propícia a momentos criadores que, espero, tenham sido sempre inspirados e ricos

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