Convidados de Verão

Curadoria: Penelope Curtis e Leonor Nazaré

 

Convidados de Verão leva artistas contemporâneos ao Museu, propondo novos contextos expositivos que sublinham a transversalidade, as relações inesperadas e a proximidade formal ou conceptual de peças de arte de épocas diferentes. Obras como o relevo da Mesopotâmia, os tapetes persas, as lacas japonesas ou o Naufrágio de um Cargueiro de Turner surgem deste modo dinamizadas pelo desafio de outro tempo e de outros imaginários que refletem os modos e as linguagens contemporâneas, remetendo também para a permanência intemporal de algumas causas. No jardim, a artista Fernanda Fragateiro propõe ainda um conjunto de intervenções escultóricas, criando uma ponte entre as intervenções no Museu e os eventos do Jardim de Verão.

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Asta Gröting

A obra «Bodenplatte» de Asta Gröting, colocada na proximidade da escultura de Auguste Rodin, Jean d’Aire, «Le Bourgeois de Calais – L’Homme à la Clef», evoca diretamente a marcação imaginária dos pés das personagens e interroga o valor da base ou do «solo» da escultura convencional. A artista encontrou no ateliê de Rodin, em Meudon, o molde da base de «Les Bourgeois de Calais» (a famosa versão de seis figuras) e preencheu os espaços vazios. Quis interrogar também o lugar da burguesia atual e a forma como a arte se pode referir a esse tipo de questionamento.

Bela Silva

Numa sala em que são expostas, atraente e prolixamente, várias peças de cerâmica chinesa, as peças contemporâneas em cerâmica de Bela Silva criam um claro momento disruptivo, que começa por ser também de continuidade – na figuração zoomórfica e zoológica dos motivos, na tipologia das peças (vasos, jarras, animais fantásticos), na natureza decorativa, mais ou menos desviante, da cerâmica e na sua paleta cromática. Os dragões, em particular, terão tido inspiração direta nos Cães de Fo (Dinastia Quing) expostos na grande vitrina.

Diogo Pimentão

O laço recortado e grafitado de Diogo Pimentão adquire uma tonalidade decorativa, perto do espelho de René Lalique, que não deixa de ser também forte expressão escultórica, desenho e inesperada tridimensionalidade, presença e leveza. Ficamos, nos dois casos, perante nós e cadeias entrelaçadas, motivo tão frequente na Arte Nova, mas também tão universal no imaginário mítico, do caduceu mercurial e do Ouroboros às serpentes de tantas lendas e representações xamânicas, passando pelo imaginário do Labirinto, muitas vezes identificado, no seu todo, como um nó.

Fernanda Fragateiro

Fernanda Fragateiro pontua, com intervenções escultóricas nos bancos desenhados por Ribeiro Telles, alguns dos locais em que os eventos de Jardim de Verão acontecem, para além de outros por si selecionados. Frequentemente ligado a uma matriz arquitetónica de desenho, construção, instalação e marcação do espaço, o seu trabalho utiliza as superfícies espelhadas para sublinhar passagens entre os planos bidimensionais da imagem e tridimensional do lugar, os «ecrãs» virtuais que o multiplicam, as experiências sensoriais de alteração térmica e táctil, a interrupção surpreendente de esquadrias e contornos por outros que se lhes sobrepõem e a indagação estética que o usufruto prático também exige.

Francisco Tropa

Sobre o plinto da escultura ausente «Apolo», de Jean-Antoine Houdon, a figura fragmentária e suspensa de ossos e «órgãos» de vidro de Francisco Tropa assinala o movimento ascensional que é próprio daquele deus grego, grande viajante na imensidão do Céu. A súbita leveza e transparência do vidro contrasta com o peso e opacidade do bronze, sugerindo destinos diferentes na decomposição das partes do corpo e propondo o memento mori de todas as Vanitas.

Miguel Branco

A escultura de Miguel Branco comenta pela paráfrase a «Estatueta do Funcionário Bés» da Época Baixa do antigo Egito. O artista terá encontrado nela uma inspiração direta. A obra cita a posição e a atitude mas substitui o rosto inteligente daquela figura pelos contornos hominídeos de uma cabeça quase simiesca, na fronteira, portanto, da animalidade e do primitivismo. A relação com a morte e com escrita (há na mesma sala a estela de um outro escriba), ambas fundamentais no Antigo Egito, ficam assim evocadas nesta proposta contrastante do que podem ser a elevação e a «queda» humanas.

Miguel Palma

Miguel Palma utiliza uma jarra Império para desafiar o pressuposto museológico da conservação e da proteção patrimonial: um mecanismo elétrico na base do objeto imprime-lhe movimento de minuto a minuto, dando tempo ao visitante que percorre a vitrina de porcelana do século XVIII de se aperceber e ser surpreendido. A anedota pode ser lida na sua forma mais imediata, mas o movimento é também o da manufatura do vaso e o das mãos humanas que o transportam ao deslocá-lo. A vitrina e o plinto deixam de ser esse lugar seguro que tipifica o museu, para ser um momento de sobressalto na idealização que temos dele.

Patrícia Garrido

«Interior» não é apenas o nome do objeto em borracha e metal de Patrícia Garrido, é também a natureza e problemática de várias das obras que apresentou no Museu do Chiado em 1995, entre as quais uma espécie de saco em forma de flor, que, como outras da mesma série («Jogo de Damas»), tem uma provável ressonância sexual. Na vizinhança do para-sol de veludo de seda lavrada da Veneza do século XVI, evoca o universo feminino em favorável coincidência cromática e material.

Pedro Cabral Santo

O filme «Turner Pic», de Pedro Cabral Santo, coloca em fundo de imagem «O Naufrágio de Um Cargueiro» de Turner, para lhe sobrepor um diálogo sobre OVNIS e extraterrestres, em barras do sistema de cores RGB, convencionalmente utilizadas para surdos-mudos. Adaptada de um diálogo realmente surpreendido pelo artista no Museu Gulbenkian, diante desta pintura, a substância textual introduz estranheza mas também sobreposição de códigos e a dimensão que a receção pública acrescenta a cada obra.


Susanne Themlitz

Na zona de mobiliário do século XVIII as duas obras de Susanne Themlitz correspondem a uma experiência de integração tão imprevista quanto eficaz, atemporal mas sinalizável na sua época: uma pintura abstrata (Respiração. Pausa – entre dois pontos) de cores e planos vigorosos, “paisagem permeável e transformação suspensa” como diria a artista; e uma mesa com objetos (espelho, ametista, globo, linha de madeira e plano de vidro), sugestão iconológica das conquistas científicas do Renascimento e do Iluminismo e deriva surreal enquadráveis no universo imagético e no requinte dos móveis circundantes.

Vasco Araújo

Quatro séries de desenhos de Vasco Araújo preenchem o corredor que conduz os visitantes da arte do Extremo Oriente à arte Europeia: Pink Family, Green Family, White and Blue Family, Armorial Family (em ressonância com designações da cerâmica chinesa que o visitante ainda entrevê na sala que acabou de deixar) são desenhos quase impercetíveis de vasos e taças danificados e desenterrados em buscas arqueológicas às quais o artista associa excertos retirados do livro de Susan Sontag, Olhando o Sofrimento dos Outros. Essa associação oferece uma poderosa metáfora da arte, do tempo, das linguagens e do património material e imaterial.

Wiebke Siem

Um enorme batedor de tapetes de Wiebke Siem, colocado suspenso sobre um tapete da Índia cuja escala acompanha, traz ao objeto decorativo a dessacralização que o desloca para a dimensão prática e utilitária. Fazendo referência direta a uma série de fotografias de Hans Bellmer em que a sombra deste objeto, frequente nas casas alemãs, convive com as suas «bonecas», Wiebke convoca também a memória da sombra nos filmes de Murnau e outros tapetes famosos como o do gabinete de Freud. Mas refere-se sobretudo ao lugar do feminino no lar, questionando funções, emoções e arquétipos.

Yael Bartana

Numa zona geográfica comum, o Médio Oriente, emergem um baixo-relevo da Mesopotâmia e um filme de animação da artista israelita, Yael Bartana. O primeiro, a figura de um génio com asas e farda de guerreiro; o segundo, soldados e polícias daquela zona conturbada, transformados por um efeito digital, em personagens de “argila” que se movem como relevos no ambiente informe e uniforme da guerra. É a semelhança formal desse efeito e a geografia que os aproxima mas é preciso sublinhar também a diferença radical da noção de combate (mágico e iniciático no primeiro caso) que os distingue.

Atualização em 21 dezembro 2021

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