Visível e Invisível na Obra de Edgar Degas

24 nov 2017

Retrato de Henri Michel-Lévy 

A pintura Retrato de Henri Michel-Lévy (c. 1878) é uma das mais enigmáticas obras do Museu Calouste Gulbenkian. A sua composição, de construção complexa – «em arte nada deve surgir do acaso» (Degas) –, levanta inúmeras questões e sugere uma multiplicidade de leituras possíveis. Apresentada na quarta exposição impressionista (1879), a obra foi exposta com o título Artiste dans son Atelier.

Na representação destaca-se Henri Michel-Lévy, pintor e amigo do artista, que Degas conheceu no ano de 1867. Ambos os pintores foram colecionadores de arte entusiastas e realizaram, na época, os respetivos retratos. A revisitação do tema «artista em ateliê» não é inédita na obra de Degas, já que em 1868 o artista havia realizado Retrato de James Tissot, no qual o tema da «pintura dentro da pintura» surge, tal como aqui, em evidência.

A composição desenvolve-se num espaço de representação inesperado, onde o pintor, através de elementos astuciosamente enclausurados em segmentos distintos do espaço pictórico, simultaneamente (se) revela e (se) esconde. À direita observa-se uma atualização da fête galante em estilo impressionista, enquanto à esquerda surge a pintura As regatas, que estabelece uma relação entre o manequim no chão e a sua representação na tela. A composição parece remeter, pois, como já foi dito, para uma «leitura original da relação entre verdade e ilusão».

Interpretações diversas têm vindo entretanto a ser propostas, tendo sido levantada a questão da misoginia do artista, que o manequim inanimado aqui reaviva. Oriundo de uma família de banqueiros, de temperamento solitário, o pintor teve na mulher, todavia, um dos seus grandes temas. Começou por representá-la em família, para depois se movimentar «por detrás da cortina», na ópera, em aulas de dança, em casas de prostituição.

O artista (que, para Degas, não devia ter vida pessoal) é assim alguém que deve agir como um observador frio da realidade, sem nunca a sentimentalizar. Por isso afirmou: «as mulheres odeiam-me, mostro-as sem coqueteria, no seu estado animal». As representações que realizou da sua pupila Mary Cassatt sugerem, todavia, uma leitura mais prudente do tema.

Profundamente influenciado por Ticiano e por Ingres, Degas foi, simultaneamente, importa frisar, um pintor clássico e um artista de rutura. Ao retratar com crueza a «vida moderna», de que falou Baudelaire, Degas encontrou na sua pintura, verdadeiramente, um novo real, um real «mental». 

Esta composição, que simultaneamente encerra um ciclo da vida (a sugestão da joie de vivre) e a revelação da morte (a caixa de tintas de Michel-Lévy, onde um boneco deitado junto à paleta sugere a tampa de um caixão entreaberto), vai sobretudo ao encontro da representação do isolamento humano, aspeto profundamente inovador na obra do pintor, que levou o romancista e crítico Edmond Duranty a intitulá-lo, na época, de «inventor do claro / escuro social».

Luísa Sampaio 

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