Renovação do Núcleo de Ourivesaria

André das Neves Afonso, conservador, Mariano Piçarra, designer de exposições e Peter Fuhring, consultor científico, revelam-nos as diferentes fases do processo de renovação do núcleo de Ourivesaria do Museu Calouste Gulbenkian.
20 jul 2022

Durante a primeira metade do século XX, Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955) conseguiu reunir uma coleção de ourivesaria francesa do século XVIII e início do século XIX que se configuraria como a mais importante do seu tempo. Ainda que Gulbenkian tenha adquirido alguns objetos em prata executados noutras geografias e noutros períodos (sobretudo em fases mais iniciais da sua atividade como colecionador), a evolução e modelação do seu gosto e as oportunidades de aquisição entretanto surgidas permitiram-lhe dirigir o seu interesse para objetos produzidos por alguns dos mais relevantes ourives parisienses do século XVIII – sobretudo da segunda metade deste século –, a par de algumas importantes obras de mestre ourives do Primeiro Império Francês (1804-1814/1815).

 

Renovação do núcleo de Ourivesaria. Fotografia: © Zé Rebelo de Andrade

A atual renovação das galerias dedicadas à arte francesa do século XVIII no Museu Calouste Gulbenkian compreende também um importante enfoque na renovação museológica do núcleo de Ourivesaria, procurando-se qualificar a apresentação da coleção e propor, através de uma organização mais compreensível dos objetos, uma mais estimulante e enriquecedora experiência para o público. Os dois principais eixos da intervenção consistem na atualização das infraestruturas técnicas e na renovação do discurso expositivo.

As anteriores vitrinas remontavam ao contexto da renovação do Museu concluída no ano 2000, ainda que com bastantes reminiscências da museografia original de 1969 (nomeadamente a configuração das vitrinas). As novas vitrinas assumem-se como parte de uma nova infraestrutura adaptada às exigentes e sempre renovadas necessidades técnicas de conservação e segurança da coleção, bem como capazes de potenciar uma melhor apresentação dos objetos através de um novo sistema de iluminação; da maior dimensão das vitrinas, permitindo um ganho de cerca de 30% de área disponível; e da reintrodução de socos, criando uma mais dinâmica e coerente exposição das obras que partilham afinidades em termos estilísticos e de cronologia de produção, dos ourives que as executaram e de quem as encomendou.

 

Renovação do núcleo de Ourivesaria. Fotografia: © Zé Rebelo de Andrade

São várias as narrativas que podem ser exploradas através da coleção que Gulbenkian reuniu, sejam elas em torno dos seus interesses colecionísticos; dos mestres ourives; de uma lógica cronológica, estilística e ornamental; das ilustres proveniências das obras ou da função original dos objetos no contexto das artes da mesa da sociedade do século XVIII.

Se algumas destas narrativas se podem entrecruzar numa mesma exposição, outras podem ser exploradas de uma forma mais individual ou monográfica – e, através de uma desejada renovação constante da exposição, novas interpretações em torno dos objetos poderão tomar lugar, criando acesso às múltiplas camadas de significado das obras de arte e podendo-se traduzir em algo de estimulante para o público. Esta relação com os visitantes traduzir-se-á também na disponibilização de mais informação textual e iconográfica sobre a coleção, num processo que poderá desenrolar-se faseadamente no futuro próximo.

A investigação é também um elemento fundamental na nova organização da galeria. De facto, a sistematização de informação e os novos dados resultantes do estudo desenvolvido por Peter Fuhring no contexto da edição do primeiro catálogo da coleção de ourivesaria do Museu Calouste Gulbenkian (a publicar em breve) assumiram-se como um importante ponto de partida para a atual renovação da exposição da coleção de ourivesaria e, certamente, para todas as futuras alterações ou exposições que se venham a realizar.

 

Renovação do núcleo de Ourivesaria. Fotografia: © Zé Rebelo de Andrade

Para finalizar, torna-se fundamental referir um dos eixos centrais da nova galeria: a criação de uma abertura ou janela na secção central da grande vitrina onde se apresentará o famoso Centro de Mesa de François-Thomas Germain. Esta intervenção estabelecerá uma ligação visual e semântica direta entre esta obra-prima da ourivesaria europeia (concluída em 1766) e o retrato pintado por Nicolas de Largillierre dos pais de François-Thomas, datado de 1736.

A abertura nas costas da vitrina permitirá uma observação mais completa do próprio Centro de Mesa – tal como deveria ser visto na mesa de um banquete! –, ao mesmo tempo que esta solução tornará também mais fácil o estabelecimento de relações entre a coleção de ourivesaria e as coleções de artes decorativas e pintura francesas em exposição nas galerias adjacentes.

 

 

Não obstante o ecletismo manifesto nas opções colecionísticas de Gulbenkian, as artes francesas do século XVIII foram centrais nos seus interesses, desejando-se que a presente renovação contribua para alcançar uma melhor compreensão em torno do fascínio do colecionador pela arte produzida no Século das Luzes.

 

André das Neves Afonso
Conservador do Museu Calouste Gulbenkian

Mariano Piçarra
Designer de exposições do Museu Calouste Gulbenkian

Peter Fuhring
Consultor científico do Museu Calouste Gulbenkian

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