A antológica de Júlio Resende (1917-2011) na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) expôs obras criadas entre 1946 e 1989, ano em que seria inaugurada esta mostra, a 4 de abril, na Galeria de Exposições Temporárias da Sede da FCG (piso 0). Debruçada exclusivamente sobre a pintura, cobria extensivamente o arco cronológico da produção do autor até à data, nas suas múltiplas fases e facetas. No ecletismo desse corpo de trabalho, é constante a tónica expressionista, bem como a presença da figura humana, ora totalmente denunciada, ora camuflada nas manchas mais informes e fluidas, que ameaçam a abstração mas que só muito raramente lhe cedem o lugar. Sente-se, por vezes, na pintura de Resende, que, quanto mais camaleónica e residual é a figuração, mais forte e impactante ela se torna. Esse paradoxo ressalta especialmente em peças das décadas de 60 e 70, que parecem amadurecer uma experiência muito própria do tachismo e dos ecos do expressionismo abstrato, e que encontram na obra de Júlio Pomar (1926-2018) do mesmo período uma evidente plataforma de diálogo.

A exposição terá surgido por convite direto de José Sommer Ribeiro, diretor do Serviço de Exposições e Museografia (SEM) e do Centro de Arte Moderna (CAM) da FCG (Ofício de José Sommer Ribeiro para Júlio Resende, 26 jun. 1988, Arquivos Gulbenkian, SEM 00422). O CAM organizaria a exposição, contactando dezenas de colecionadores e proprietários, particulares e institucionais, que possibilitaram a reunião de 119 obras do artista portuense.

A colaboração com a Galeria Nasoni, no Porto, foi determinante para a produção da mostra. Várias peças pertencentes a colecionadores do norte do país já lá se encontravam em depósito. Outras lá chegariam para partirem para Lisboa junto com as fotografias documentais que seriam reproduzidas no catálogo (Arquivos Gulbenkian, CAM 00171). Esse espaço portuense teria ainda patente uma mostra de Resende em simultâneo com a da Gulbenkian, distribuindo-se assim pelas duas cidades a atenção dada à obra do pintor («Exposições. Júlio Resende», O Jornal, 28 abr. 1989).

O pintor e designer Armando Alves, então professor da Escola de Belas-Artes do Porto (ESBAP), seria contactado por Sommer Ribeiro para assumir a curadoria. Lembre-se que Alves fez parte do grupo Quatro Vintes (Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues), criado em 1968, que devia o seu nome a uma paródia que cruzava a marca de tabaco Três Vintes com o facto de estes quatro artistas terem concluído a ESBAP com a nota máxima. É na ESBAP que Alves conhece Resende, que foi seu professor e de quem se tornaria colega na docência a partir de 1962. Resende chegaria mesmo a assumir a direção da ESBAP entre 1975 e 1976. Só abandonaria o ensino em 1987, atividade que exerceu junto de várias organizações, e em que se terá revelado um «apaixonado pedagogo», segundo palavras de Alves no catálogo desta exposição (Júlio Resende, 1989, p. 11).

O catálogo da FCG contou com textos de Mário Cláudio e Rui Mário Gonçalves, coligindo ainda uma «Antologia Breve» de trechos sobre a obra do pintor. Entre os autores, encontram-se José-Augusto França, Fernando Pernes, Mário Dionísio ou Eugénio de Andrade, além de vários outros. Alguns desses fragmentos são selecionados da imprensa estrangeira, nomeadamente do jornal belga De Standaard e do espanhol Hoja del Lunes, dando expressão, ainda que curta, aos contornos internacionais de um percurso que já tinha passado por França, Países Baixos, Brasil, Estados Unidos da América e Escandinávia.

Fora de Portugal, a obra de Resende está atualmente representada nas coleções da sede da Unesco em Paris, da Biblioteca Real Alberto I (Bruxelas), do Gabinete de Estampas de Antuérpia, do Ateneum Art Museum (Helsínquia, Finlândia), do Kunstforening Museum (Aalesund, Noruega) e do Museu de Arte Moderna de São Paulo – cidade onde obteria o 1.º Prémio de Artes Gráficas na X Bienal Internacional de São Paulo, em 1985.

Em Portugal, encontramos Resende em alguns dos principais acervos de arte moderna e contemporânea, como as coleções dos museus nacionais de Soares dos Reis (Porto) e de Arte Contemporânea (Lisboa), a de Serralves (Porto) e a do Centro de Arte Moderna da FCG (Lisboa).

Como com tantos outros artistas da sua geração, a relação de Resende com a Gulbenkian remonta à «I Exposição de Artes Plásticas» da FCG (1957-1958), onde recebeu o 2.º Prémio na categoria de Pintura. Nas décadas seguintes, a Fundação adquiriria espaçadamente diversas obras do autor, em especial aquando da abertura do CAM, em 1983, cuja coleção lista atualmente um total de 75 peças do autor, não apenas em pintura a óleo, mas também em desenho, gravura e aguarela – meios em que muito se notabilizou. Nesta antológica de 1989, foram expostos 11 óleos desse acervo.

Em 1993, o artista instituiria a Fundação Júlio Resende – Lugar do Desenho, que desde a sua inauguração, em 1997, tem promovido, a partir de Gondomar, diversas iniciativas de índole cultural e educativa.

Daniel Peres, 2018