Exposição de obras em gravura da artista modernista Mily Possoz (1888-1968), pertencentes à coleção do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP).

Do vasto núcleo de trabalhos de Possoz que integra a coleção do CAMJAP, fazem parte obras em pintura, desenho e gravura. No entanto, é na produção de gravura que a curadora Emília Ferreira decide centrar esta exposição, entendendo que «a gravura em Portugal é uma arte menorizada. Mily Possoz foi pintora, desenhadora, mas sobretudo gravadora» (Martins, A Capital, 11 jan. 2005, p. 42).

Por outro lado, as qualidades gráficas e de composição que a curadora reconhece à artista não se coadunam com a diminuta valorização do seu trabalho por parte da historiografia. Com esta pequena mostra, Emília Ferreira não tem a pretensão de reescrever a história, mas procura chamar a atenção para um dos muitos casos de marginalização e esquecimento decorrentes de discursos estereotipados, bem como para a necessidade de uma leitura renovada, que se desprenda de preconceitos enraizados.

Assim, as obras selecionadas e o modo como são apresentadas acabam por mostrar não só os aspetos que a curadora considera merecerem um outro olhar, mas também as características da obra que, ao suscitarem determinadas leituras, a afastaram e suprimiram do discurso historiográfico sobre o modernismo português.

Movida pela sua curiosidade e pelas inúmeras dúvidas que estes trabalhos não datados levantam, Emília Ferreira reúne um conjunto significativo de gravuras, que expõe em pequenos grupos temáticos. Segundo Emília Ferreira, «a repetição dos temas tratados parece ter condicionado o olhar crítico e historiográfico sobre o trabalho plástico, levando a considerandos tendencialmente redutores» (Mily Possoz. Gravura [folha de sala], 2005).

A exposição começa com as obras Le Chat sur la Chaise, Gatinha e Gatinha com Filho, que manifestam um desenho rápido e de grande simplicidade. Estes trabalhos, em que a economia de elementos e a omissão de qualquer contexto acentuam a expressividade, destoam das gravuras dedicadas às varinas e camponesas, nas quais a artista, dispensando-se das leis da perspetiva, introduz uma profusão de elementos em diversos planos, representando ambientes urbanos ou rurais, marcados pelo trabalho.

A exposição prossegue com cenas de uma classe privilegiada, mantendo a mulher como protagonista. Cenas de lazer e do quotidiano feminino marcam Rêverie, La Toilette, Fillette aux Manderines, entre outras. O que nestes trabalhos mais impressiona a curadora são os «universos de uma solidão e de um silêncio tremendos» que neles se retratam, igualmente comuns à infância (Martins, A Capital, 11 jan. 2005, p. 43). As formas estilizadas e o desenho rápido e preciso surgem novamente nos trabalhos que representam crianças sobre fundo branco, como Fillette Cousant, Étude de Garçonnet, Enfant à la Sandale.

Por último, é apresentado um pequeno grupo dedicado a paisagens, que Emília Ferreira enquadra no «exercício de reinvenção da paisagem, característico da imagética de Mily Possoz» (Ferreira, «Mily Possoz. Porta do Mar», 2010). Paisagens urbanas, ou de pequenas vilas, nas quais a artista explora linguagens muito distintas, algumas delas com forte caráter ilustrativo.

No texto escrito para acompanhar a exposição, a curadora percorre os trabalhos expostos, salientando diferentes pontos de vista, que contrariam algumas das observações simplistas recorrentes em relação à produção desta artista. Muitas questões vão sendo levantadas, e a inexistência de respostas para muitas delas revela a necessidade de uma investigação aprofundada. Um exemplo claro diz respeito à datação das peças em exposição, como explica Emília Ferreira: «[…] apenas se supõe que as mais de duas dezenas de gravuras aqui apresentadas tenham sido realizadas ao tempo da segunda estada em Paris. Algumas delas têm, contudo, o selo da Cooperativa Gravura, de que Mily Possoz foi activo membro, de 1956, ano da fundação, até quase à morte da artista, em 1967. Dada a constância da sua gramática, uma dúvida surge: terão sido então produzidas ou reproduzidas? Não há resposta.» (Ferreira, Mily Possoz. Gravura, 2005) Mais do que procurar dar respostas, esta é uma exposição que lança questões com o intuito de despertar o interesse dos historiadores.

Esta mostra não passou despercebida na imprensa, sendo a sua visita sugerida em diferentes periódicos, mas é o artigo «Possoz e Hatherly: a precisão do traço», de Susana Ribeiro Martins, que lhe dá maior destaque. Martins percorre a exposição na companhia da curadora, integrando no seu artigo inúmeras declarações desta última, que levantam a questão da discriminação da obra de artistas mulheres: «Há aspectos do trabalho de Possoz que não foram valorizados porque se tratava de uma artista mulher»; «Curiosamente, o aspecto decorativo está presente em todos os modernistas, mas é muito enfatizado nas mulheres artistas como sendo um traço menor» (Martins, A Capital, 11 jan. 2005, p. 43).

À semelhança das outras exposições apresentadas neste espaço, não foi produzida qualquer publicação para acompanhar a mostra; no entanto, o texto da folha de sala é bastante elucidativo quanto aos objetivos da mostra e apresenta uma análise dos diferentes grupos temáticos que a compõem.

O público teve oportunidade de conhecer melhor a mostra por intermédio de visitas à exposição orientadas pela curadora.

Mariana Roquette Teixeira, 2019