Mutações e competição mantêm a diversidade da microbiota

Bactérias inicialmente idênticas podem tornar-se diversas se evoluírem continuamente novas estratégias de competição. Estudo matemático junta ecologia e evolução para explicar como as mutações podem diversificar a microbiota intestinal.
01 set 2021

No nosso corpo, existem tantas células de microrganismos como as nossas. Uma grande parte delas habita o nosso intestino e forma a microbiota intestinal, onde combinações únicas de espécies diferentes nos defendem contra patógenos, mantêm os nossos tecidos saudáveis e ajudam-nos a obter o melhor da comida que ingerimos. Mas este ecossistema é tudo menos simples, com milhões de células bacterianas constantemente a interagir e a competir entre si, para sobreviver e se reproduzir.

Cada bactéria reproduz-se dividindo-se em duas células, função esta que não está a salvo de erros ocasionais—mutações. Estes erros na duplicação do material genético são os principais impulsionadores da evolução, já alteram as células novas e as suas características. Dependendo dos erros e da ecologia da população bacteriana, a seleção natural determina que células crescem ou não. “Esta interação entre ecologia e evolução, onde o ecossistema afeta o destino dos novos mutantes e estes conseguem mudar o ecossistema, pode ser complexo, mas é onde as coisas se tornam interessantes”, afirma Massimo Amicone, estudante de doutoramento do IGC.

Mas a forma como as mutações moldam populações que evoluem em ecossistemas complexos ainda é uma questão em aberto. Num estudo publicado na revista EVOLUTION, um duo de investigadores do IGC aborda esta questão pelos olhos da modelação matemática, juntando duas áreas muitas vezes separadas. “Construímos um modelo que combina leis da ecologia e da evolução e explica como o aparecimento de muitas mutações pode gerar e manter níveis altos de diversidade em populações como aquelas que habitam o nosso intestino”, explica Massimo, primeiro autor do estudo.

De acordo com Isabel Gordo, investigadora principal do IGC e coautora da publicação, “se introduzirmos a suposição realista de que muitas mutações podem ocorrer numa população que está a competir por recursos limitados, e isto é algo que já mostrámos que ocorre na microbiota do intestino, há um mundo de possibilidades que se abre para a diversidade prosperar.” Combinar princípios da ecologia e da evolução revelou padrões que de outra forma não seriam visíveis.

Imagine um grupo bactérias idênticas a viver no nosso intestino. Quando encontram comida invulgar, sobrevivem se adquirirem mutações que melhorem a forma como a consomem. Este processo de adaptação pode ter dois resultados: ou uma única “super-bactéria” emerge, que consegue consumir eficientemente todos os recursos, ou vários grupos de bactérias coexistem, consumindo de forma diferente e limitando a competição entre eles. “O nosso modelo caracteriza a natureza probabilística de dois resultados diferentes: comer todos os pratos do restaurante ou ser mais especializado em peixe ou carne. Conhecer a população inicial não é suficiente para poder prever o que acontecerá, já que ambos os modos de adaptação podem ocorrer mesmo que tudo o resto seja igual. Mas, saber como a população pode mutar, pode dizer-nos qual dos resultados é mais provável”, detalha Isabel. Se as mutações forem em baixo número, a população vai provavelmente evoluir como um grupo uniforme, por isso reduzindo a sua diversidade. Se as mutações forem em grande número, a população dará origem a grupos distintos, aumentando a diversidade e potencialmente gerando novas espécies.

Este estudo faz uma série de previsões sobre os mecanismos de adaptação em contextos de competição que o grupo liderado por Isabel Gordo testará no futuro. Também realça a importância de se considerarem os processos evolutivos aquando do estudo de populações de células bacterianas ou cancerígenas, que estão sujeitas a um elevado número de mutações. “Este trabalho teórico pode ajudar a explicar a grande diversidade microbiana que observamos no intestino de humanos e ratinhos. É emocionante pensar que dentro de nós, enquanto falamos, uma espécie se pode tornar muitas”, conclui Massimo.

 

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