Interações de repulsão trazem as divisões mitóticas rápidas à ordem

Novos dados descrevem forças de repulsão responsáveis pela distribuição uniforme de núcleos no embrião em desenvolvimento.
26 jan 2022

Um ovo fertilizado é um ponto de partida comum para a vasta maioria dos animais. Geralmente, a duplicação do material genético desta célula marca o início de várias rondas de divisão que eventualmente culminam num organismo multicelular. Mas a maioria dos insetos alcança isto de uma forma peculiar: contrariamente aos vertebrados, criam centenas de núcleos, cada um com uma cópia do seu material genético, dentro do ovo fertilizado antes de formar células individuais.

Para que as células do embrião tenham o mesmo tamanho, o que é determinante para os próximos passos do seu desenvolvimento, os núcleos devem ser uniformemente espaçados antes de serem envolvidos por membranas. Mas como consegue o embrião alcançar esta ordem num cenário tão caótico, em que centenas de núcleos se dividem em simultâneo? Biólogos celulares e do desenvolvimento estudam este tema há décadas, tendo proposto modelos para o posicionamento do núcleo em diversos organismos, como sapos e ratinhos. Porém, estes animais geram células com um só núcleo nas fases iniciais do desenvolvimento, contrariamente aos insetos.

Um novo estudo publicado na revista Development descreve os princípios biofísicos que mantêm a organização dos núcleos no embrião da mosca-da-fruta. A equipa descobriu que os microtúbulos, polímeros proteicos que constituem o esqueleto das células, formam uma estrutura promotora de forças de repulsão que mantêm os núcleos a uma certa distância. O posicionamento dos núcleos dentro de células multinucleadas é bastante complexo, envolvendo um vasto leque de possíveis interações entre núcleos vizinhos. Este tipo de células desenvolve-se “de forma mais robusta através de um mecanismo de repulsão internuclear – tal como apresentado no nosso artigo”, explica Ivo Telley, investigador principal do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e líder do grupo que desenvolveu o estudo. Para além de manter as posições dos núcleos, estas interações de repulsão podem também reorientar as divisões nucleares para regiões desocupadas, onde as repulsões são mais fracas, evitando uma distribuição irregular dos núcleos em células de grandes dimensões.

“A repulsão entre núcleos foi uma hipótese proposta há mais de vinte anos, mas que nunca foi provada experimentalmente”, observa Ivo. Esta procura por um dos “princípios mais básicos da natureza” começou em 2013 e envolveu colaborações com institutos de investigação em Singapura e na Alemanha. Pouco depois de Ivo ter estabelecido o seu laboratório no IGC, Jorge Carvalho, primeiro autor do estudo, juntou-se a ele para  implementar a abordagem experimental inovadora e que os levaria a estes resultados. Explantes de embriões da mosca-da-fruta, obtidos através da extração de citoplasma e núcleos do embrião, permitiram aos investigadores decifrar os mecanismos subjacentes à distribuição dos núcleos sem ter de recorrer a amostras vivas, que são geralmente complexas e difíceis de analisar. “Esta abordagem foi fulcral para a maioria dos dados experimentais deste estudo”, enfatizou Jorge.

Em última análise, esta longa jornada levou os investigadores a descobrir um mecanismo que tem um impacto direto no tamanho e na posição das células, duas propriedades que mais tarde definem funções celulares essenciais no desenvolvimento embrionário. Mas estes resultados vão para além do desenvolvimento dos insetos: também progridem a nossa compreensão sobre a evolução de espécies, como a nossa. “A repulsão internuclear foi essencial para a transição entre organismos unicelulares e a multicelularidade”, sublinha Ivo.

Este estudo foi desenvolvido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência em colaboração com a National University of Singapore e o European Molecular Biology Laboratory e foi financiado pelo Human Frontiers Science Program.

 

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