Esta tela de René Bertholo é produzida num momento em que o autor abandonava progressivamente a pintura em favor da execução dos modelos reduzidos, objetos que vão ser o foco da sua obra entre meados da década de 1960 e de 1970. Aqui, Bertholo organiza o quadro num vórtice que se alarga sensivelmente desde o canto inferior direito, até ocupar quase todo o topo do quadro, embora haja uma maior concentração de motivos do lado esquerdo da tela. Esta organização do plano pictórico é construída a partir da acumulação de figuras cujo nexo simbólico é de difícil compreensão, o que é reforçado pela recusa do autor em aceitar qualquer tendência narrativa na sua obra. Tendo em conta o que vem trabalhando desde 1966 nos modelos reduzidos, a pintura que executa nestes anos parece induzir a uma suspensão do tempo. Se os objetos que vinha trabalhando funcionavam em loop, fixando um mesmo movimento que se repete indefinidamente (com a excepção da série Nuvem com superfície variável, em que o movimento é irrepetível); aqui essa suspensão é conseguida pela impossibilidade de uma leitura contínua, pela aparente necessidade de cruzar num mesmo espaço referentes que não podem ser descritos ou pensados sequencialmente. Isto é, num caso a suspensão do tempo dá-se por congelamento, no outro, surge por rebentamento das limitações impostas pela diacronia. Nesta relação com o trabalho nos modelos reduzidos, podemos ainda referir a simplificação formal das figuras, esquematizadas e recorrentes, sendo que o desenho da casa ao centro da tela, por exemplo, é um motivo várias vezes repetido na série de objetos mecânicos produzidos por Bertholo.
André Silveira
Maio de 2013