René Bertholo estuda na Escola de Artes Decorativas António Arroio e na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, entre 1951 e 1957. Por esta altura cruza-se com o Grupo do Gelo, contactando com técnicas surrealistas, nomeadamente com os processos de automatismo que irão informar parte da sua produção e que porventura despertaram a noção de acaso presente em Nuvem com superfície variável III. Aqui, todavia, o que efectivamente decorre diante do espectador é o desenvolvimento de uma acção em que o puro acaso, ao ser condicionado pela pré-determinação de movimentos padrão, se transforma na aleatoriedade possível uma vez que o movimento seguinte é forçosamente determinado pelo anterior. Escapando ao controlo estrito do criador e à possível reversão do percurso desenhado pelas peças, esta obra foge à condição estática e inalterável do objecto, sem implicar amputação ou destruição.
Nuvem com superfície variável III, um dos Modelos Reduzidos que Bértholo produz a partir de 1966 e durante cerca de uma década, aponta os desenvolvimentos concomitantes do cinetismo, em que a estruturação das peças depende do movimento a ser produzido, o que é reforçado pela visibilidade dos motores. Simula, assim, o percurso incerto de uma nuvem, usando um mecanismo em que a deslocação do objecto é accionada por uma esfera que, circulando de forma aleatória no interior de um cilindro em rotação contínua, prime um dos dispositivos electrónicos que ordenam a moção seguinte da nuvem. Encontramo-nos, deste modo, perante a sugestão de um movimento perpétuo, remetendo para o conceito de entropia, que se relaciona com a tentativa de construção de máquinas capazes de funcionar eternamente. Pela forma como se assumem enquanto processo em curso de gadgets tecnológicos, os Modelos Reduzidos assumem um carácter lúdico que, pela representação de elementos naturais simplificados no desenho dos contornos das peças de metal de cores planas e brilhantes, se aproxima do tratamento da paisagem pela atitude do receptor que assiste ao desenrolar daquela acção no tempo. Esta preocupação encontrava-se presente nas pesquisas pictóricas do autor desde que inflectira de um abstraccionismo enraizado em Klee e Kandisky e passando por Pollock ou Rothko, para uma prática em que a influência de Dubuffet ou dos affichistes se conjuga com a afirmação da Nouvelle Figuration. Bértholo, que chegara a Paris em 1958, onde desenvolveu um outro maquinismo, de impressão serigráfica, que permitiu a publicação da revista KWY, vai espalhar pela tela motivos repetidos apresentando ligeiras modificações, promovendo uma figuração que aspirava à narratividade e demonstrando atenção à noção de série dos registos Pop.
Nuvem com superfície variável III terá ainda reverberação num outro campo com a construção da makina, um aparelho musical que dá sequência aos estudos de electrónica aplicada à arte que desenvolve em Berlim, entre 1972 e 1973, e que vem conhecendo sucedâneos até aos anos 2000.
André Silveira
Maio de 2010