A segunda metade da década de 50 foi para Júlio Pomar prolífica na prática do desenho, da gravura e da ilustração de obras literárias. A presente gravura, intitulada Nu, apresenta afinidades com a ilustração que faz no mesmo ano de 1958 da obra As Mil e Uma Noites, quer ao nível da temática, quer ao nível da linguagem plástica escolhida.

 

Formas femininas delicadas, mas com sugestões de discreta voluptuosidade devido aos contornos arredondados, ligam esta gravura com as ilustrações da obra mencionada. Dentro dos vários óleos sobre cartão que compõem esta ilustração, a presente gravura apresenta especial semelhança como uma ilustração intitulada Com um gesto rápido entreabriu o fato – Ilustração para ‘O Livro das Mil e Uma Noites’ (1958).* No entanto, a densidade do óleo é aqui substituída pela depuração e síntese do desenho.

 

O corpo feminino é descrito em traços sintéticos e curvilíneos. A cabeça da personagem merece-lhe um contido detalhe, sobretudo na descrição do cabelo. A expressão serena e distante amenizam, de certa forma, o erotismo do tema.

 

Sobre o corpo nu é representado alguma espécie de traje ou vestido, sugerido pelas linhas mais ténues que o figuram e que a personagem parece despir ou vestir pela posição dos seus braços. O nu joga assim com o não-nu, numa aparente contradição que é todo um exercício de desenho e de sugestão erótica de velar e desvelar.

 

Este mesmo jogo de transparências que o traço permite será empregue por Pomar na década de 60 e 70 nos seus desenhos eróticos Étreinte e Corpo Verde, respectivamente. O que aqui é o contorno do vestido e do nu, numa coexistência em que um não oculta o outro, parece assim um ensaio do que mais tarde fará com a sobreposição de corpos. Também aí o traço não criará a massa que oculte outra massa, pois tudo serão contornos que permitem uma utópica transparência e uma omnisciência da visão.