• 1973
  • Tela
  • Tinta acrílica
  • Inv. 83P770

Júlio Pomar

Manuela, Vermelho, Branco, Verde

Durante os anos 70, a pintura de Júlio Pomar conhece um período polarizado em torno do retrato. Não que o artista não houvesse já anteriormente realizado retratos, quer em desenho, quer em pintura, mas o género não se insurgira até então como uma pesquisa plástica central.

 

Este ciclo do retrato, que Pomar considera haver sido iniciado com o retrato de Almada de 1970* (obra pertencente à colecção do CAM), pode ser dividido em dois núcleos: o retrato de personalidades públicas (como sejam Almada, Eduardo Viana, Camões ou Fernando Pessoa) e os retratos íntimos de pessoas do seu círculo privado.

 

O primeiro retrato que realiza de Manuela data de 1968-70**. Acompanhando as suas variações em torno de Banho Turco, e com estas partilhando a linguagem plástica que então formulava, o retrato torna-se doravante uma prática recorrente. Eduardo Viana (1970), Kami Masrour (1971), Almada (1970-1973), Mimi (1971-72), Nelly (1972), Luísa (1972), Maria Bello (1972-1973) serão outros dos retratados deste período, o qual conta inclusivamente com auto-retratos do pintor (1972-73).

 

Não obstante a importância que concede à semelhança, estes retratos propõem-se antes demais como uma “prática invocatória” do retratado, do qual Pomar extrai e reduz os signos para, em posteriores variações, os fragmentar e remisturar. Podemos descobrir antecedentes da presente obra numa tela intitulada Manuela, superfície vermelha, ecrã verde, de 1972***. As variações da obra sucedem-se então em Manuela em azul, com risca branca (1972)**** e, já em 1973, formando um conjunto coeso, em Manuela, vermelho, verde, cinza, Manuela, vermelho e cinza, com listas transversais, Manuela, vermelho, branco e verde (a presente obra) e Manuela, em vermelho, com risca verde.*****

 

Com uma organização vertical (constante da maioria dos seus retratos), o quadro delimita-se em duas secções: uma superior a vermelho, uma inferior a branco. A figura da retratada divide-se entre as duas: na parte superior discernimos um rasto do seu rosto, forma que emerge do fundo (assim tornado forma) através da sinalização a azul de alguns traços do mesmo (cabelo, olhos, nariz, boca e o que parece um braço flectido); na parte inferior distinguimos uma sugestão de púbis na forma triangular, da qual flui uma mancha vermelha. A estes signos da retratada outros se juntam, fixando a personagem à tela, criando o ambiente que a acolhe e contextualiza, experimentando recortes de forma e contrastes cromáticos, e ainda equilibrando a disposição dos elementos na composição: uma mancha verde na parte superior na qual se recorta, a vermelho, uma alusão de seio, rimando com as restantes manchas verdes colocadas à direita; uma rima vertical entre as duas manchas de azul escuro; uma mancha de um azul mais claro como que prolongando o hipotético braço.

 

Heráldica de um corpo fragmentado e remisturado, este retrato parece ecoar uma citação de Deleuze e Guattari escolhida por Pomar para um catálogo de uma exposição que realiza nesse ano: “O desejo não cessa de acopular fluxos contínuos e objectos parciais essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz circular, circula, corta”.****** Anos mais tarde, comentaria a relação entre erotismo e fragmentação nos seguintes termos: “A visão erótica ou amorosa é, por excelência, uma visão fragmentada, naturalmente condicionada pela aproximação: a visão do fragmento é naturalmente determinada pela proximidade. Na acção amorosa o campo da visão é o que a mão pode tocar: a visão integral do corpo consegue-se somente através da colocação à distância. Nas academias, a distância entre o observador e o corpo observado nunca seria menor do que duas vezes e meia a maior dimensão deste. O que reduz a relação sensorial à impossibilidade de utilizar na prática outro sentido que não a vista. Mas Matisse punha o seu modelo junto ao cavalete e ajudava-se com espelhos.”*******

 

 

* Helena Vaz da Silva com Júlio Pomar, Lisboa, Edições António Ramos, 1980, p. 67.

 

** Ver Catalogue Raisonné II. Peintures et Assemblages. 1968-1985, Paris, Éditions de la Différence, 2001, pp. 48-49.

 

*** Idem, pp, 48-59.

 

**** Idem, pp. 62-63.

 

***** Idem, pp. 74-75.

 

****** Pomar 69/73, Lisboa, Galeria 111, 1973, s/p.

 

******* Entrevista de João Fernandes a Júlio Pomar in Júlio Pomar: Cadeia da Relação, Porto, Museu de Serralves/Civilização, 2008, p. 55.

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015

TipoValorUnidadesParte
Largura97cm
Altura130cm
Tipo data
Texto73
PosiçãoFrente, margem inferior à direita
Tipo assinatura
TextoPomar
PosiçãoFrente, margem inferior à direita
TipoAquisição
DataJulho 1983
4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso: Júlio Pomar
Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Curadoria: Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
13 de Setembro de 2003 a 2 de Novembro de 2003
Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Exposição realizada no âmbito da atribuição do Prémio Amadeo de Souza-Cardoso ao Mestre Júlio Pomar.
Atualização em 23 janeiro 2015

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