• 1983
  • Papel vegetal
  • Marcador
  • Inv. DP1418

Júlio Pomar

Fernando Pessoa

“Não há na nossa poesia — e talvez em nenhuma outra — uma tão decidida recusa do olhar do outro como na poesia de Pessoa. Não é para não ver o outro — o mundo ou outrém — que ele fecha os olhos e se assume como Narciso cego, mas para não ser visto.”* Talvez seja esta recusa do olhar do outro, do ser visto, que torna a imagem de Pessoa tão cativante e simultaneamente tão esquiva às diversas tentativas de aproximação que a ela vão fazendo vários pintores. E o que dessas tentativas resulta conserva sempre uma distância, como se cada pintor compreendesse que, embora reconhecível, Pessoa jamais é completamente assimilável na sua imagem.

 

Este desenho de Júlio Pomar integra um processo de trabalho para a intervenção na estação de metro do Alto dos Moinhos que lhe foi encomendada. Juntamente com Camões, Bocage e Almada, Pessoa é eleito como uma das figuras míticas de Lisboa. Entre as múltiplas aproximações à imagem do poeta — que primeiro realizava num desenho a carvão, depois passava este para marcador sobre papel vegetal e daqui decorria a sua passagem ao azulejo que reveste a estação de metropolitano —, observamos na presente obra a representação de um Fernando Pessoa sentado a ler o jornal. A figura dispõe-se diagonalmente na composição, com a estruturação do seu corpo triangulado descrevendo uma trajectória do canto superior esquerdo para o canto inferior direito. O desenho é simultaneamente estático e dinâmico: estático porque estática é a sua posição, sentado e absorto na leitura do jornal; dinâmico porque as linhas eminentemente rectas que o compõem se entrecruzam e justapõem, originando vectores de força que partem em múltiplas direcções e que traduzem a contracção do corpo, o movimento dos tecidos do vestuário e a volatilidade das várias folhas de jornal. A expressividade do desenho decorre da sua dimensão — e a dimensão é aqui assumida como “um elemento expressivo em si mesmo”, como afirma Pomar, que realiza estes desenhos na escala exacta que assumirão no azulejo** —, das sucessivas simplificações do traço e da exploração do meio e suporte a que recorre. Com efeito, o marcador é empregue em diferentes grossuras de traço, enfatizando e animando determinadas áreas do desenho e construindo uma tridimensionalidade que parece, provavelmente por apenas recorrer ao risco sem qualquer sombreado, também ela de papel.

 

Pessoa, se integra a mitologia de Lisboa e até a do país, permanece assim distante, habitando um universo literário que criou e que medeia a sua relação com o mundo. E nós, do lado de cá do espelho — das folhas de jornal, do papel, do filtro literário, do filtro plástico —, se o podemos ver e contemplar, não lhe tocamos propriamente, como se habitássemos mundos distintos, que apenas se olham através de um vidro: ele para nós, nós para ele.

 

* Eduardo Lourenço, “A imagem à procura de Pessoa” in Fernando Pessoa: o impossível-possível retrato. Exposição Comemorativa do Centenário do Nascimento de Fernando Pessoa, Porto, Casa de Serralves, 1988, p. 10.

 

** “Contrariamente ao uso mais frequente em trabalhos desta natureza — elaboração de um projecto em escala reduzida, seguido de ampliação por quadricula ou episcópio — as imagens que aqui se vêem foram directamente realizadas no tamanho que deveriam ter. Se a superfície total, pela sua extensão, era impossível de recriar em atelier, o espaço em que cada imagem aparece (…) estava dentro das minhas condições habituais de trabalho. Tendo pensado numa sucessão de imagens, a partir do estabelecimento de um guião que as encadeasse, — e admitisse as permutas decorrentes da liberdade com que cada uma se devia afirmar — era-me permitido seguir uma das constantes do meu trabalho. E que aprendi com Matisse: mestre atento ao que é próprio de cada elemento plástico, ao real da matéria manejada, ele pensava a dimensão como um elemento expressivo em si mesmo, e cujas qualidades explorava pela experiência directa.” Júlio Pomar, Pomar: Um ano de desenho: 4 Poetas no Metropolitano de Lisboa, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/ Centro de Arte Moderna, 1984, s/ p.

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015

TipoValorUnidadesParte
Altura193,5cm
Largura110cm
Tipo assinatura
TextoPomar
Posiçãofrente, canto inferior esquerdo
Tipo data
Texto83
Posiçãofrente, canto inferior esquerdo
TipoA definir
DataA definir
Heimo Zobernig e a Colecção do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian/ Heimo Zobernig and the Collection of the Calouste Gulbenkian Foundation Modern Art Centre; Heimo Zobernig and the Tate Colllection/ Heimo Zobernig e a Colecção da Tate
Lisboa/ St. Ives, 2009
ISBN:978-1-85437-826-2
Catálogo de exposição
Heimo Zobernig e a Colecção do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian
CAM/FCG
Curadoria: Jürgen Bock
11 de Fevereiro de 2009 a 31 de Agosto
Centro de Arte Moderna
Exposição realizada em parceria com a Tate St. Ives. Inclui obras da colecção da Tate de St. Ives, do Centro de Arte Moderna e do artista Heimo Zobernig. De 24 de Maio a 31 de Agosto de 2009 estiveram expostas apenas as obras do CAM escolhidas pelo artista.
Exposição Permanente do CAM
CAM/FCG
Curadoria: Jorge Molder
18 de Julho de 2008 a 4 de Janeiro de 2009
Centro de Arte Moderna
Exposição Permanente entre 18 de Julho de 2008 a 4 de Janeiro de 2009.
Atualização em 23 janeiro 2015

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